sexta-feira, 25 de maio de 2012

O senhor das moscas

Livros sobre ilhas desertas costumam fascinar e suscitar muito a nossa imaginação. O que levaríamos e o que faríamos se para lá fôssemos costumam ser os questionamentos mais frequentes. A aventura parece ser divertida, mas pode também trazer perigos e um certo distanciamento da dita civilização, além de uma possível perda da inocência, como acontece em O senhor das moscas, primeiro romance do escritor inglês William Golding, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1983.

O livro foi publicado em 1954 e, embora conte com mais de 50 anos, continua fascinando e ensejando inúmeras interpretações em seus leitores. À primeira vista pode parecer uma história infanto-juvenil, por tratar de um grupo de crianças presas em uma ilha deserta, mas sua trama extrapola a simples aventura para se transformar em um clássico da literatura do pós-guerra.

A história começa quando um grupo de meninos ingleses de um colégio interno se encontram perdidos em uma ilha, depois da queda do avião que as transportava para longe da guerra. Os primeiros a aparecer são Ralf, um garoto esperto que possui um carisma fora do comum, e Porquinho, um menino gordo, asmático e míope, mas dotado de inteligência extraordinária. Juntos, eles encontram uma concha que será utilizada para reunir os outros meninos que estão na ilha e se tornará uma espécie de símbolo da civilização que pretendem implantar no local, sem adultos, sem as obrigações destes.

A eles juntam-se Jack, um garoto que sabe explorar sua força física e domina um grupo de meninos que formavam um coral antes da queda, e Simon, um menino místico, que tem visões, mas que ao meu ver tem coragem suficiente para desvendar o grande mistérios da ilha, representado pelo “bicho” que todos sentem, mas não veem. E é com a figura desse “bicho”, que Jack tenta impor sua força e seu domínio sobre os meninos, principalmente entre os pequenos, os que mais são suscetiveis ao medo do desconhecido.

A escrita de Golding é fluida e a leitura transcorre agradavelmente, de forma que o leitor é transportado para o interior daquela ilha até certo ponto paradisíaca, repleta de frutos e florestas, com infinidade de porcos que, aos poucos, vão sendo caçados, mortos e transformados em alimento pelos meninos comandados por Jack.

No início tudo é harmonia e os garotos se organizam sob o comando de Ralf, eleito democraticamente pelos meninos para ser o chefe, a despeito dos ciúmes e do antagonismo de Jack. Este, a princípio, aceita, mas aos poucos vai revelando sua natureza selvagem, rebelando-se e rompendo com a “sociedade”, formando seu próprio grupo guiado pela força.

O livro traz muitas simbologias, com Ralf representando a democracia disseminada pelo seu carisma. Jack, ao contrário, denota o facismo e o autoritarismo, uma vez que quer dominar todos na ilha; já Porquinho é o lado racional, a inteligência, ligada à ciência, muitas vezes impopular, mas sempre buscada no fim. Por isso mesmo, é o menino que sofre o bullying, antagonizado e discriminado pela maioria, principalmente por Jack.

O título do livro está relacionado com a natureza do mal. Ele é citado em uma passagem quando, depois de matarem uma porca, os meninos deixam sua cabeça em uma clareira para ser oferecida ao “bicho”, que pensam existir na ilha. Esta fica rodeada de moscas e é vislumbrada por Simon, que passa a conversar com ela, referindo-se a si mesma como “O senhor das moscas” (tradução literal do nome hebraico Ba´alzevuv, ou Beelzebub em grego, um sinônimo para “diabo”.

Uma das passagens mais incríveis e fortes do livro é a dança que acontece sempre depois da caça. Jack e seus “caçadores” pintam o rosto e o corpo e, depois de alimentados, fazem uma roda onde dançam encenando a caçada em si. É um ritual selvagem, tribal, onde se encaixa perfeitamente aquela expressão “pão e circo”, alimento e diversão. Deem ao povo isto e tudo estará bem.

É importante ressaltar que o acontece antes dos meninos caírem na ilha ou depois dela, pouco importa. A história se resume ao que se passa na ilha. Mas a tentativa destes, sobretudo de Ralf, é manter acesa uma fogueira, cuja fumaça se eleve aos céus para que possa ser vista por possíveis navios ou aviões que passem pelo local, de forma que possam ser salvos.

Já quase no final do livro não pude deixar de lembrar de outra obra, esta A revolução dos bichos, de George Orwell. Em dado momento, Ralf se vê praticamente sozinho nesta tentativa de manter a fogueira acesa e é obrigado a fugir da força do bando de Jack. A cena remeteu-me a Bola de Neve, personagem de A revolução dos bichos que, junto com outro, Napoleão, empreendeu a revolta dos animais contra os humanos, levando-os ao poder. Napoleão, no entanto, é seduzido pela força e escorraça Bola de Neve, que é obrigado a fugir. Vi a mesma cena acontecer em O senhor das moscas.

O livro teve duas adaptações para o cinema. Uma em preto e branco, lançada em 1963, bastante fiel ao romance. A outra, lançada em 1990, tem um visual mais atualizado, mas com partes divergentes do original. A conferir.

O senhor das moscas é um livro que sugere, mesmo, muitas interpretações. Vale a pena ser lido, pensado e discutido.

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