quarta-feira, 30 de maio de 2012

O horror de Kafka

Figura emblemática e perturbadora da literatura mundial, Franz Kafka é, sem dúvida, um dos maiores escritores de ficção da língua alemã no século XX. Suas principais obras, A metamorfose (1915), O processo (1925) e O castelo (1976) são exemplos clássicos de uma escrita marcada pelo absurdo de um mundo impessoal e angustiante. E os protagonistas destes livros refletem os medos e as preocupações do próprio Kafka diante de uma realidade opressora e alienante.

Li poucos livros de Kafka e já há um bom tempo, por isso confesso que estou a dever aos seus escritos. O castelo, por exemplo, embora me interessasse muito, cheguei a abandonar... talvez não fosse aquele o momento certo para lê-lo. Seja como for, preciso retomá-lo, uma vez que a sombra de Kafka vem rondando minhas leituras nos últimos meses.
Foi talvez por essa razão que aceitei ler, na última semana, um pequeno livro do escritor. A obra foi indicada por um amigo do trabalho que fez questão de me emprestar, reforçando a sugestão de lê-lo. O exemplar, em questão, trata-se de Franz Kafka – Um artista da fome seguido de Na colônia penal & outras histórias.
Organizado e traduzido por Guilherme da Silva Braga, o livro foi publicado em 2009 pela L&PM Pocket e reimpresso em 2011. Além do conto que lhe dá título, a obra traz ainda mais três contos – A primeira dor, Uma pequena mulher e Josefine, a cantora ou O povo dos ratos – e a novela Na colônia penal.
Os quatro contos foram escritos entre 1922 e 1924 e publicados em diversos periódicos da época. Com exceção de Uma pequena mulher, os demais textos refletem sobre o papel do artista, as reivindicações nem sempre coerentes que fazem, a visão que os não artistas têm deles e o isolamento num futuro iminente.
Dos contos, Um artista da fome é, talvez, o mais autobiográfico, publicado pouco antes de Kafka morrer, de tuberculose. Nele, o escritor trata de um artista de circo, um jejuador, capaz de ficar mais de um mês sem comer, cujo sonho é jejuar infinitamente. Com o passar do tempo essa atividade vai sendo relegada e a atração passa a não ser mais requisitada pelo público, de forma que o jejuador vai ficando isolado e esquecido em sua jaula, proporcionando um espetáculo que não interessa a mais ninguém.
No entanto, é a novela Na colônia penal, de 1914, que o impacto da escrita de Kafka se faz sentir com maior intensidade. Fluida, a narrativa é impactante na medida em que o leitor não consegue se desgrudar dela, sentindo o horror e o absurdo da história que tem um final aterrorizante.
Influenciada, segundo o escritor, jornalista e tradutor brasileiro Modesto Carone, por uma obra pornográfica sádico-anarquista de Octave Mirbeau, de 1899, intitulada Le Jardin dês Supplices (O jardim dos suplícios), que continha flagelos, sadismo e horrores, Na colônia penal, ao lado de Um artista da fome, estão para Kafka entre os cinco livros e um conto que considera tenham alguma valor entre aqueles que escreveu.
A novela narra a história de um explorador que é convidado a assistir a uma execução em uma colônia penal francesa. O condenado, um soldado acusado de insubordinação, não teve julgamento e nem direito a defesa; sua sentença simplesmente foi declarada pelo oficial encarregado de executá-la por meio de uma máquina especialmente criada para torturar até levar a morte o condenado.
Essa máquina de tortura trata-se de um mecanismo complexo que escreve, lentamente, sobre a pele do corpo do sentenciado, com umas agulhas feitas de vidro, a punição do crime. A tortura dura 12 horas, nas quais o oficial sente prazer em empregá-la, consciente da justiça que é feita.
A história é uma crítica ao sistema penal e a crueldade com que são executados os castigos corporais, utilizando-se para tal técnicas da Idade Média. Além de fazer alusão aos estados despóticos que minam a liberdade e o direito do indivíduo.
Trata-se de uma novela forte, um verdadeiro clássico dos horrores, mas mais do que isso, uma denúncia explícita. Este é Kafka.

2 comentários:

  1. Kafka é na minha opiniã o maior escritor de todos os tempos. É o único que consegue escrevrer coisas que não são belas de um forma natural e até certo ponto agradável. É incrível.

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  2. Com certeza, Fernando. É um autor excepcional, imprescindível, eu diria.
    E obrigada pela visita e comentário no blog.

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