Têm dias
que a gente não quer fazer nada, preferindo ficar só de papo para o ar, no mais
completo abandono, se alternando entre o ócio e a preguiça. Às vezes é bom – e
reconfortante –, mas o que fazer quando esses dias custam a passar, prolongando
por demais o estado de letargia de forma a afetar sua vida?
Não tenho
uma resposta, pois – se bem que não chega a tanto – ultimamente ando meio
preguiçosa para escrever. Às vezes a culpa é do trabalho de jornalista, que me
absorve tanto ao ponto de não ter forças para pensar em mais nada, nem mesmo no
blog; mas também ocorre de eu ter
tempo livre e, mesmo assim, permaneço estática, diante da tela branca do
computador, só me movimentando se for para navegar na internet, em perfeita
vadiagem.
Cheguei à
conclusão de que estou sofrendo de uma espécie de síndrome de Bartleby, aquele mal descrito pelo escritor espanhol, Enrique
Vila-Matas, em Bartleby e companhia, livro
consagrado na França com o prêmio Médicis e que foi publicado pela Cosac Naify.
Guardadas as devidas proporções com o meu caso, pois nem escritora sou, a
síndrome acomete alguns autores que, em alguns casos, após alcançarem o êxito
literário, pararam de escrever.
O nome
Bartleby – e suas características abúlicas – foi baseado no romance de Herman
Melville, intitulado Bartleby, o escrivão,
de 1853, e publicado como livro em 1856. Nele, o personagem, depois de ser
contratado como escriturário em um escritório de advocacia e desempenhar com
afinco sua função, começa a refutar suas tarefas com um firme “prefiro não
fazer”. A situação vai piorando e Bartleby acaba não fazendo mais nada, nem ao
menos sai do escritório, onde passa a morar e a comer. Por fim, nem se
alimentar ele quer mais e termina sendo levado a uma prisão, onde perece.
Em Bartleby e companhia, Enrique Vila-Matas
fala de vários escritores da literatura mundial, reais e até alguns fictícios,
que são acometidos pela síndrome de
Bartleby. Para contar essa história,
um narrador-escritor quebra um silêncio de 25 anos sem escrever para fazer uma
espécie de diário, ou melhor, notas de rodapé para um livro a ser escrito – ou
não –, sobre os casos de autores que deixaram a escrita.
Dentre os
escritores citados encontra-se o poeta francês Rimbaud, que depois de um começo
brilhante e promissor, abandonou a poesia aos 21 anos para se aventurar no
tráfico de armas na África. Já o escritor mexicano Juan Rulfo, autor de apenas
dois romances – El Ilano em Ilamas (1953)
e o aclamado Pedro Páramo (1955) –
encontrou na morte de seu tio Celerino o motivo para não voltar a escrever, uma
vez que era ele quem lhe contava histórias inspiradoras.
Caso
curioso é do escritor suíço de língua alemã, Robert Walser, que se fechou no
silêncio por não concordar com a fama, que se apropriava dos textos produzidos.
Na verdade, Walser considerava que a escrita deixa de ser do autor para ser
recriada pelo leitor.
Clemente
Cadou, por outro lado, possivelmente um escritor fictício, foi preparado
durante a infância, a adolescência e até o início da idade adulta para ser um
grande escritor, mas ao conhecer Witold Grombrowicz, um de seus autores
preferidos, ficou mudo, se sentindo como uma peça de mobília. A partir daí
abandonou a carreira literária, passando a dedicar-se a pintura de
autorretratos e móveis!
Outro autor
fictício seria Paranoico Pérez. Ele planejava escrever um romance sobre o
convento de Sintra, mas viu em uma livraria Memorial
do convento, de José Saramago; depois quis falar sobre Ricardo Reis, mas de
novo Saramago se antecipou, com o romance O
ano da morte de Ricardo Reis. As coincidências fizeram com que Paranoico
nunca escrevesse um livro, culpando dessa forma o grande autor português pelo
seu infortúnio, como nesta passagem:
Paranoico Pérez nunca conseguiu escrever
um livro, porque sempre que tinha alguma ideia para um e se dispunha a fazê-lo,
Saramago o escrevia antes dele. Paranoico Pérez acabou transtornado. Seu caso é
uma variante interessante da síndrome de Bartleby.
– Escute, Pérez, e o livro que estava preparando?
– Não o farei mais. Outra vez Saramago
roubou-me a ideia.
E por essa
trilha o livro prossegue, com exemplos dos mais variados casos de síndrome de Bartleby. E é curioso até
lembrar de alguns que não foram citados. Tenho para mim que o lendário
jornalista Joseph Mitchell, um dos nomes mais respeitados da prosa de não
ficção americana, também tenha sido acometido pelo mal, embora, no caso dele,
talvez a crise de consciência o tenha aniquilado para a escrita.
Mitchell
sabia escrever como ninguém perfis de anônimos, ou seja, de pessoas comuns. Foi
assim que publicou uma estupenda reportagem que resultou no livro O segredo de Joe Gould, um
boêmio-mendigo que perambulava pelas ruas de Greencwich Village, na Nova York de 1920 a 1940, e que tencionava escrever a obra monumental “História
oral de nosso tempo".
Interessado, Mitchell fez um belo retrato
de Gould, que na verdade não vinha escrevendo o livro. Ao descobrir, o
jornalista publicou, nos anos de 1960, quando Gould já havia falecido, um
segundo texto desfazendo o mito que ajudara a criar. O resultado dessa
investida foi um silêncio no qual o jornalista se impôs por mais de três
décadas, período em que se dirigia diariamente à redação da revista, sentava em
frente à máquina de escrever, cumpria seu expediente, mas não produzia nada.
Teria sido a revelação do segredo forte
demais ou seria o fato de admitir que se deixara enganar por Gould que
emudecera o grande jornalista? Seja qual for o motivo, não pude deixar de
pensar nele quando li Bartleby e
Companhia.
Nascido em Barcelona, Enrique Vila-Matas,
publicou 33 livros em mais de 30 países, e estará na Flip 2012 – Festa Literária
Internacional de Paraty.
Com texto maravilhoso desse a Síndrome de Bartleby está longe de atingi-la.
ResponderExcluirDesculpa a ausência Cecilia, seria muito arrogância dizer que foi falta de tempo? acho que sim, pois entre amigos não deveria haver esta justificativa. Mas são justamente este os que mais sofrem dessa "síndrome".
Adorei sua visita, e vir aqui é sempre um prazer, beijos