terça-feira, 18 de dezembro de 2012

1984 - Releituras são necessárias


Quando o Clube de Leitura, um dos quais participo, escolheu para ler 1984, o romance de George Orwell, fiquei aliviada. Afinal, já tinha lido a obra e, embora tenha sido há um bom tempo, ainda lembrava da história, pelo menos o essencial, o que significava que não precisaria interromper minha lista de livros a ler naquele momento.
 
Porém, como nossa última discussão – Homem lento, de J. M. Coetzee, livro que acabara de ler – fora bem proveitosa, sobretudo porque a narrativa estava toda fresca na minha cabeça, achei por bem reler 1984, para relembrar os detalhes e pormenores da obra. Principalmente porque, puxando pela memória, li esse livro há pelo menos 26 anos, sim 25 anos! Se bobear, li pouco depois do ano que dá título a obra. Portanto, mais do que na hora de retomar.
Foi bom reler, pois enxerguei 1984 sob nova ótica, agora mais madura e experiente. O impacto, contudo, me tomou novamente, o que significa que o livro é atual apesar do tempo, das mudanças políticas, sociais e tecnológicas no mundo e do meu próprio conhecimento da obra. Posso afirmar, com certeza, que novas descobertas se fizeram presentes e a leitura se tornou muito mais prazerosa na medida em que me vi refletida na trama.
Escrito em 1948, o livro foi publicado em 1949, pouco antes da morte de Orwell, que estava com tuberculose. Trata-se de um clássico, uma obra prima, que retrata um mundo fictício em seu possível futuro sombrio sob o regime totalitário e repressivo. O autor, que imaginara e sonhara com um tempo de fraternidade, lamentava os caminhos pelos quais o mundo seguia, sobretudo com a era “Stalin”, da então URSS, e, assim, registrou suas impressões nesse distópico romance.
Em 1984 o mundo está dividido em três grandes superestados – Eurásia, Oceania e Lestásia –, que vivem em guerra permanente, sem contudo ter um vencedor. O que importava era mostrar quem detinha o poder. A história se passa na Oceania, potência que engloba os países de todos os oceanos. Uma aglomeração da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), Sul do África, o atual continente da Oceania e o Reino Unido.
Comandada pelo Grande Irmão, o Big Brother, o chefe do Partido, que vigia a todos por meio de teletelas instaladas por todo o território, a Oceania reprime as liberdades e controla tudo, inclusive o idioma, com a adoção da Novalíngua, cuja característica principal é a redução de palavras do vocabulário. A ideia é que não conseguindo encontrar a palavra certa para determinada coisa ou conceito, ela não seja mais pensada e, assim, disseminada. Controle a comunicação, a linguagem, que se controlará o povo.
Na Novalíngua, uma das expressões mais reproduzidas é o duplipensamento, ou seja, “a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas... O processo precisa ser consciente, do contrário, não seria conduzido com a adequada precisão, mas também precisa ser inconsciente, do contrário traria consigo um sentimento de falsidade e, portanto, de culpa...”
Um dos grandes exercícios deliberados de duplipensamento está no nome e na função dos quatro ministérios que governam a Oceania: Ministério da Paz, que cuida dos assuntos de guerra: Ministério da Verdade, que trata das mentiras; Ministério do Amor, que pratica a tortura; e o Ministério da Pujança, que lida com a escassez de alimentos:
... Pois somente reconciliando contradições é possível exercer o poder de modo indefinido. É a única maneira de quebrar o antigo ciclo. Se quisermos evitar para sempre o advento da igualdade entre os homens – se quisermos que os Altos, como os chamamos, mantenham para sempre suas posições –, o estado mental predominante deve ser, forçosamente, o da insanidade controlada.
E tudo isso alinhado ao slogan do Partido: Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força.
Nesse mundo, Winston Smith é um desconhecido funcionário do Ministério da Verdade, órgão que cuida da informação pública do governo e da reescrita da história. Embora sob controle, ele começa a tomar consciência da opressão em que a sociedade vive e dá os primeiros passos para sair da passividade. Ao se relacionar com uma colega de trabalho, Júlia, que também se mostra revoltada com o sistema, Smith se arrisca ainda mais e acredita que O´Brien, membro do Partido, também está do lado deles. E aposta suas fichas – e esperanças – nos proletas, a classe “livre” da vigilância, mas dependente também ao Partido, enfim, "pessoas que não tinham aprendido a pensar, mas que acumulavam em seus corações, ventres e músculos a força que um dia subverteria o mundo”.
Para Smith, “se é que há esperança, a esperança está nos proletas."
É um livro para ser lido e relido e re-relido, de tempos em tempos. O impacto pode não ser o mesmo, mas sempre permeará a leitura. Em maior ou menor escala, de forma diversa ou com algumas semelhanças, muitas das impressões de Orwell podem ser vislumbradas na época atual, e com a nossa anuência.
1984 foi traduzido para mais de 65 idiomas e publicado por diversas editoras, entre elas a Companhia das Letras. Ganhou também duas adaptações para o cinema: a primeira em 1956, por Michael Anderson, e outra em 1984, por Michael Radford. E ainda para a TV (BBC) e no formato de ópera, além de inspirar o reality show Big Brother, a HQ V de Vingança, o filme Equilibrium e o jogo de computador Half Life 2.
Indispensável!

Um comentário:

  1. Já Marguerite Yourcenar dizia que a melhor leitura é a releitura. Também gosto de reler, se bem que com tantos livros novos, é difícil encontrar disponibilidade para isso. Mas vale a pena.
    Uma abraço e feliz Natal!

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