Porém, como
nossa última discussão – Homem lento, de
J. M. Coetzee, livro que acabara de ler – fora bem proveitosa, sobretudo porque
a narrativa estava toda fresca na minha cabeça, achei por bem reler 1984, para relembrar os detalhes e
pormenores da obra. Principalmente porque, puxando pela memória, li esse livro
há pelo menos 26 anos, sim 25 anos! Se bobear, li pouco depois do ano que dá
título a obra. Portanto, mais do que na hora de retomar.
Foi bom
reler, pois enxerguei 1984 sob nova
ótica, agora mais madura e experiente. O impacto, contudo, me tomou novamente,
o que significa que o livro é atual apesar do tempo, das mudanças políticas,
sociais e tecnológicas no mundo e do meu próprio conhecimento da obra. Posso
afirmar, com certeza, que novas descobertas se fizeram presentes e a leitura se
tornou muito mais prazerosa na medida em que me vi refletida na trama.
Escrito em
1948, o livro foi publicado em 1949, pouco antes da morte de Orwell, que estava
com tuberculose. Trata-se de um clássico, uma obra prima, que retrata um mundo
fictício em seu possível futuro sombrio sob o regime totalitário e repressivo.
O autor, que imaginara e sonhara com um tempo de fraternidade, lamentava os
caminhos pelos quais o mundo seguia, sobretudo com a era “Stalin”, da então
URSS, e, assim, registrou suas impressões nesse distópico romance.
Em 1984 o mundo está dividido em três
grandes superestados – Eurásia, Oceania e Lestásia –, que vivem em guerra
permanente, sem contudo ter um vencedor. O que importava era mostrar quem
detinha o poder. A história se passa na Oceania, potência que engloba os países
de todos os oceanos. Uma aglomeração da Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), Sul do África, o atual continente da Oceania e o Reino Unido.
Comandada
pelo Grande Irmão, o Big Brother, o chefe do Partido, que
vigia a todos por meio de teletelas instaladas por todo o território, a Oceania
reprime as liberdades e controla tudo, inclusive o idioma, com a adoção da Novalíngua, cuja característica
principal é a redução de palavras do vocabulário. A ideia é que não conseguindo
encontrar a palavra certa para determinada coisa ou conceito, ela não seja mais
pensada e, assim, disseminada. Controle a comunicação, a linguagem, que se
controlará o povo.
Na Novalíngua, uma das expressões mais reproduzidas
é o duplipensamento, ou seja, “a
capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e
acreditar em ambas... O processo precisa ser consciente, do contrário, não
seria conduzido com a adequada precisão, mas também precisa ser inconsciente,
do contrário traria consigo um sentimento de falsidade e, portanto, de culpa...”
Um dos
grandes exercícios deliberados de duplipensamento
está no nome e na função dos quatro ministérios que governam a Oceania: Ministério da Paz, que cuida dos
assuntos de guerra: Ministério da Verdade,
que trata das mentiras; Ministério do
Amor, que pratica a tortura; e o Ministério
da Pujança, que lida com a escassez de alimentos:
... Pois somente reconciliando
contradições é possível exercer o poder de modo indefinido. É a única maneira
de quebrar o antigo ciclo. Se quisermos evitar para sempre o advento da
igualdade entre os homens – se quisermos que os Altos, como os chamamos,
mantenham para sempre suas posições –, o estado mental predominante deve ser,
forçosamente, o da insanidade controlada.
E tudo isso
alinhado ao slogan do Partido: Guerra é
Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força.
Nesse mundo,
Winston Smith é um desconhecido funcionário do Ministério da Verdade, órgão que cuida da informação pública do
governo e da reescrita da história. Embora sob controle, ele começa a tomar
consciência da opressão em que a sociedade vive e dá os primeiros passos para
sair da passividade. Ao se relacionar com uma colega de trabalho, Júlia, que
também se mostra revoltada com o sistema, Smith se arrisca ainda mais e
acredita que O´Brien, membro do Partido, também está do lado deles. E aposta
suas fichas – e esperanças – nos proletas,
a classe “livre” da vigilância, mas dependente também ao Partido, enfim, "pessoas
que não tinham aprendido a pensar, mas que acumulavam em seus corações, ventres
e músculos a força que um dia subverteria o mundo”.
Para Smith, “se
é que há esperança, a esperança está nos proletas."
É um livro
para ser lido e relido e re-relido, de tempos em tempos. O impacto pode não ser
o mesmo, mas sempre permeará a leitura. Em maior ou menor escala, de forma
diversa ou com algumas semelhanças, muitas das impressões de Orwell podem ser
vislumbradas na época atual, e com a nossa anuência.
1984 foi traduzido para mais de 65 idiomas
e publicado por diversas editoras, entre elas a Companhia das Letras. Ganhou também
duas adaptações para o cinema: a primeira em 1956, por Michael Anderson, e
outra em 1984, por Michael Radford. E ainda para a TV (BBC) e no formato de
ópera, além de inspirar o reality show
Big Brother, a HQ V de Vingança, o
filme Equilibrium e o jogo de
computador Half Life 2.
Indispensável!
Já Marguerite Yourcenar dizia que a melhor leitura é a releitura. Também gosto de reler, se bem que com tantos livros novos, é difícil encontrar disponibilidade para isso. Mas vale a pena.
ResponderExcluirUma abraço e feliz Natal!