Clarice
Lispector ainda é um mistério para mim.
Seus
escritos são intensos, mas complicados. Assimilá-los não é uma tarefa nada fácil,
mas quando chegamos lá eles se tornam fascinantes, penetram em nossa pele,
tocam nossa alma, chocalham nossa vida.
Recentemente
me aventurei por A paixão segundo G.H.,
um livro que desejava ler há tempos e do qual já tinha ouvido falar muito – e sempre
com elogios. Além disso, havia feito um teste na internet, indagando “que
personagem de Clarice Lispector você é?” ( http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/testes/que-personagem-de-clarice-lispector-e-voce.shtml
) , e não é que deu G.H.? Perfeito (?), por isso mais do que depressa me pus a
ler.
Confesso que
não foi uma leitura prazerosa, no começo até que fluiu bem, mas depois a narrativa
permeou-se de “fluxos de consciência” que, embora interessantes, se o leitor se
distrai o mínimo que seja, perde o fio da meada. Se interrompe a leitura,
então, ao retomar já não consegue se situar... é preciso voltar algumas páginas
para engatar novamente.
Publicado em
1964, o livro trata de uma mulher identificada como G.H. , uma escultora, de
classe média alta que vive sozinha. Após demitir sua empregada, ela resolve
limpar o apartamento, começando pelo quarto onde a doméstica dormia, já
pensando no trabalho que teria pela frente, pois imaginava estar tudo em
desordem. Qual não é sua surpresa ao entrar e se deparar com um ambiente claro,
arrumado e limpo!
Até aí tudo
bem, ela faz alguns questionamentos – e descobertas - a cerca da empregada, sem
maiores consequências até que ao abrir a porta do guarda-roupa, que está vazio,
se defronta com uma barata. Com medo e repulsa, G.H. esmaga a barata com a
porta, mas não o bastante para matá-la, deixando o inseto em lenta agonia. A
partir daí tece várias reflexões, sentindo com o ato a perda da própria
individualidade. G.H. sente-se sem chão, levando o leitor a uma sensação de
angústia e perplexidade e conclamando-o a embarcar também nessa viagem.
O
interessante é que a história é narrada pela personagem em capítulos, que
começam sempre com a última frase terminada pelo anterior.
G.H. é, sem
dúvida, uma personagem misteriosa, que tem tendência ao isolamento, recorre com
frequência ao passado, mostra-se forte para as pessoas, mas no fundo é bastante
frágil. Uma impostora diante da vida. Seria eu assim, também? Em certa medida
acho até que sim, de outra forma a passagem a seguir não teria me surpreendido tanto:
Pela primeira vez eu sentia com
sofreguidão infernal a vontade de ter tido filhos que eu nunca tivera: eu
queria que se tivesse reproduzido, não em três ou quatro filhos, mas em vinte
mil a minha orgânica infernalidade cheia de prazer. Minha sobrevivência futura
em filhos é que seria a minha verdadeira atualidade, que é, não apenas eu, mas minha
prazerosa espécie a nunca se interromper. Não ter tido filhos me deixava
espasmódica como diante de um vício negado.
É, Clarice faz pensar, refletir, questionar... desde,
então, é o que estou fazendo. Pensando bem, acho que é esta, afinal, a função
da literatura.
Também me atrapalho com Clarice. Embora a admire muitíssimo, já patinei em leituras de livros dela. Há tempos não pego nenhum, a última coisa que li foi uma extensa e maravilhosa biografia dela, talvez esteja na hora de voltar... Boa lembrança, amiga, há tempos só vejo Clarice em frases no facebook... beijos
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