segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Uma barata no caminho - #HoradeClarice

Clarice Lispector ainda é um mistério para mim.
Seus escritos são intensos, mas complicados. Assimilá-los não é uma tarefa nada fácil, mas quando chegamos lá eles se tornam fascinantes, penetram em nossa pele, tocam nossa alma, chocalham nossa vida.
Recentemente me aventurei por A paixão segundo G.H., um livro que desejava ler há tempos e do qual já tinha ouvido falar muito – e sempre com elogios. Além disso, havia feito um teste na internet, indagando “que personagem de Clarice Lispector você é?” ( http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/testes/que-personagem-de-clarice-lispector-e-voce.shtml ) , e não é que deu G.H.? Perfeito (?), por isso mais do que depressa me pus a ler.
Confesso que não foi uma leitura prazerosa, no começo até que fluiu bem, mas depois a narrativa permeou-se de “fluxos de consciência” que, embora interessantes, se o leitor se distrai o mínimo que seja, perde o fio da meada. Se interrompe a leitura, então, ao retomar já não consegue se situar... é preciso voltar algumas páginas para engatar novamente.
Publicado em 1964, o livro trata de uma mulher identificada como G.H. , uma escultora, de classe média alta que vive sozinha. Após demitir sua empregada, ela resolve limpar o apartamento, começando pelo quarto onde a doméstica dormia, já pensando no trabalho que teria pela frente, pois imaginava estar tudo em desordem. Qual não é sua surpresa ao entrar e se deparar com um ambiente claro, arrumado e limpo!
Até aí tudo bem, ela faz alguns questionamentos – e descobertas - a cerca da empregada, sem maiores consequências até que ao abrir a porta do guarda-roupa, que está vazio, se defronta com uma barata. Com medo e repulsa, G.H. esmaga a barata com a porta, mas não o bastante para matá-la, deixando o inseto em lenta agonia. A partir daí tece várias reflexões, sentindo com o ato a perda da própria individualidade. G.H. sente-se sem chão, levando o leitor a uma sensação de angústia e perplexidade e conclamando-o a embarcar também nessa viagem.
O interessante é que a história é narrada pela personagem em capítulos, que começam sempre com a última frase terminada pelo anterior.
G.H. é, sem dúvida, uma personagem misteriosa, que tem tendência ao isolamento, recorre com frequência ao passado, mostra-se forte para as pessoas, mas no fundo é bastante frágil. Uma impostora diante da vida. Seria eu assim, também? Em certa medida acho até que sim, de outra forma a passagem a seguir não teria me surpreendido tanto:
Pela primeira vez eu sentia com sofreguidão infernal a vontade de ter tido filhos que eu nunca tivera: eu queria que se tivesse reproduzido, não em três ou quatro filhos, mas em vinte mil a minha orgânica infernalidade cheia de prazer. Minha sobrevivência futura em filhos é que seria a minha verdadeira atualidade, que é, não apenas eu, mas minha prazerosa espécie a nunca se interromper. Não ter tido filhos me deixava espasmódica como diante de um vício negado.
É, Clarice faz pensar, refletir, questionar... desde, então, é o que estou fazendo. Pensando bem, acho que é esta, afinal, a função da literatura.

Um comentário:

  1. Também me atrapalho com Clarice. Embora a admire muitíssimo, já patinei em leituras de livros dela. Há tempos não pego nenhum, a última coisa que li foi uma extensa e maravilhosa biografia dela, talvez esteja na hora de voltar... Boa lembrança, amiga, há tempos só vejo Clarice em frases no facebook... beijos

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