quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Leituras de Saramago

Fisicamente, José Saramago não está mais entre nós, mas suas ideias, sonhos e criações podem ser partilhados por meio de seus escritos e das lembranças daqueles que com ele conviveram. Por isso, saber que haveria um encontro em que Pilar del Rio, viúva do escritor, participaria lendo trechos de suas obras, acompanhada de autores como os brasileiros Milton Hatoum e Andréa del Fuego, e o moçambicano Mia Couto, era pra deixar qualquer leitor mais do que empolgado.

 
E não era pra menos, afinal, além da presença de tão destacadas personalidades do mundo literário, os livros em questão – Memorial do convento e Levantado do chão, reeditados agora pela Companhia das Letras – são dois dos mais vigorosos romances de Saramago. Sem falar que para mim, que li o primeiro com sofreguidão e encantamento, e anseio imensamente pela leitura do segundo, o acontecimento era uma oportunidade única da qual não poderia deixar de participar.

Sabia que a empreitada não seria fácil para um evento literário desse porte, ainda mais gratuito, e o pior é que eu não conseguiria sair mais cedo do trabalho para garantir o ingresso. Ainda assim insisti e me arrisquei a ir no dia 13 de agosto último, comprovando, ao chegar, que as minhas suspeitas estavam certas, em razão da longa fila que se formava à frente e que chegava ao interior do Sesc Consolação, local do evento. Depois de o funcionário avisar que não havia mais ingressos, muitas pessoas desistiram, mas fã que é fã nunca desiste até o fim e permaneci na fila junto com outros leitores, vendo, tempo depois, a espera ser recompensada com o ingresso ao teatro. Nem acreditava.

Foi uma noite primorosa, de leituras inesquecíveis, em que vislumbrei Pilar del Rio no palco e, por extensão, a memória de Saramago. Milton Hatoum subiu depois para ler um trecho de Memorial do convento, seguido de Andréa del Fuego que leu também Levantado do chão. Mia Couto, que eu via pela primeira vez, completou as leituras destacando também um trecho da obra.

Memorial do convento foi o quarto livro que li de Saramago, um romance de ficção histórica que começa na idade Média e chega ao século 20. Tem início com a promessa do rei D. João V de construir um Convento em Mafra caso a rainha, Dna. Maria Ana, lhe dê um herdeiro. A graça é concedida e assim começa a construção do convento que se prolonga por todo o livro. Paralelo ao acontecimento, há a história de Baltazar Sete Sóis, que não tinha uma mão, e Blimunda Sete Luas, que consegue enxergar além das pessoas e coisas. Eles se conhecem e se apaixonam em um auto de fé da Inquisição, no qual a mãe de Blimunda está sendo julgada por prática de bruxaria. Ao lado deles há o padre Bartolomeu de Gusmão e sua obsessão em construir a passarola, uma engenhoca que voa graças às vontades reunidas. Para tanto, ele conta com a ajuda de Blimunda e Baltazar.
O romance é uma delícia e foi muito bem definido pelo autor como uma história de “Era uma vez...”

Era uma vez um Rei que fez a promessa
de levantar um convento em Mafra. 
Era uma vez a gente que construiu esse convento. 
Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. 
Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. 
Era uma vez.

Saindo de Mafra, o romance Levantado do chão percorre uma zona do Alentejo caracterizada pelo latifúndio desde o final do século XIX. Nele, Saramago narra a luta de um povo em meio às forças opressoras, como os latifundiários, a ordem e a Igreja.

O livro é considerado como um dos romances fundamentais do escritor, tendo recebido o Prêmio Cidade de Lisboa, em 1980, e o Prêmio Internacional Ennio Flaiano, em 1992.

Segundo Pilar del Rio, trata-se de “um romance que se aproxima de uma reportagem ao mostrar o destino conflituoso das pequenas gentes e das grandes fomes que assolaram a região alentejana, devido à resistência ao regime que antecedeu a Revolução dos Cravos”.

Dois momentos. Duas histórias. Duas obras fundamentais de José Saramago que agora contam com o selo da Companhia das Letras, editora que passa assim a reunir toda a obra do escritor.

2 comentários:

  1. Oi Cecília, é com muita alegria que vejo o nome de Saramago de novo na mídia. Estou super empolgada com as duas reedições de seus livros, sei que é difícil escolher o melhor, apesar de ter o meu predileto, mas tanto Memorial do Convento, como Levantado do Chão são excelentes. Apesar da linguagem especial, o primeiro é um romance histórico inesquecível, tive o prazer de apresentar um seminário sobre ele na faculdade, período que pude me debruçar sobre ele e estudar a fundo, fascinante! Já Levantando do Chão, é uma saga familiar emocionante, muito sofrimento dos personagens e muito choro do leitor. Eu como nordestina, e que possuo o sangue cearense correndo seco, grosso e duro nas veias, me identifiquei muito com esse livro. Um livro belíssimo que vale a pena cada palavra. É um livro sobre o Homem, sobre a Terra, sobre sua Cultura. Tipo assim: homem + terra = cultura. Me emociono só de lembrar
    Acho que a companhia das Letras ainda não tinha publicado esse livro, pois a edição que eu tenho não é dela, e na época eu quis ter todos iguais e não achei. O mesmo eu digo de O Cerco de Lisboa, o meu é de outra editora. Espero que ela publique esse também.
    Adorei seu post.
    Beijos

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  2. Oi Monica! Desde que comecei a ler Saramago minhas leituras adquiriram uma força maior. Fico cada vez mais encantada e apaixonada. "Memorial" é belíssimo, e agora estou na expectativa por esse "Levantado do Chão". Seus comentários só aguçaram ainda mais minha vontade em ler... e ainda tem mais, muito mais... que bom. Beijos, querida e obrigada por passar por aqui.

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