sexta-feira, 1 de abril de 2011

De volta aos contos de fadas

O primeiro contato com a literatura geralmente se dá por meio dos contos e das historinhas infantis que ouvimos e lemos quando crianças. Trazidos da tradição oral e das fábulas, os chamados de “contos de fadas” embalaram e continuam embalando gerações e gerações, apesar da televisão, do avanço tecnológico e do poder da internet. São histórias simples, fantásticas, inacreditáveis e, por isso mesmo, encantadoras pois permanecem na nossa lembrança por muito tempo ainda. Seus autores foram – e os mais recentes são – engenhosos em extrair acontecimentos e emoções encerrados no nosso subconsciente.

E um dos mais famosos narradores desses contos, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, cuja infância pobre influenciou decisivamente para a criação de suas histórias infantis e adultas, completaria nesse 2 de abril, 206 anos. Pela sua importância e contribuição à literatura da infância e da adolescência, o dia do seu nascimento é lembrado como o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil, e seu nome estampa um dos mais influentes prêmios internacionais do gênero – o Prêmio Hans Christian Andersen.

Recentemente reli algumas de suas mais importantes histórias, como O patinho feio, A roupa nova do imperador, A pequena sereia e A pequena vendedora de fósforos, entre outras. Estas e mais histórias estão reunidas no livro Contos de Fadas – de Perrault, Grimm, Andersen e outros, publicado pela Zahar Editora, com apresentação de Ana Maria Machado.

Em seu prefácio, Ana Maria lembra que “há certas qualidades que cercam os contos de fadas e, com muita clareza, os distinguem de outros gêneros literários. Algumas se impõem à primeira vista e não têm a ver com traços indentificáveis no texto em si. Por exemplo, sua universalidade e sua vizinhança com a infância. Desta última, decorre outra, ainda mais sutil: sua carga afetiva. Falar em conto de fadas é evocar histórias para crianças, lembranças domésticas, ambiente familiar. Equivale também a uma filiação ao maravilhoso, em que tudo é possível acontecer.”

E foi buscando essa identificação que principiei a ler Contos de Fadas, mas me surpreendi, porque algumas histórias tinham finais surpreendentes e diferentes daqueles que li na infância. Por exemplo Chapeuzinho Vermelho, que na versão de Charles Perrault, tem um final nada alentador quanto aquele da adaptação da Disney. Outra impressão, agora com o olhar da “adulta”, é a improbabilidade das histórias, por isso me vi matutando, algumas vezes, em como podemos “acreditar” naqueles contos quando criança.

E é aí que reside a mágica e o encantamento dessas histórias. De tão inacreditáveis, as histórias se tornam fantásticas e permanecem fortes nas nossas lembranças, apesar do tempo, apesar da tecnologia. Assim foi com o conto Pele de Asno, também de Charles Perrault. Uma história incrível, absurda, eu diria até “sem pé nem cabeça”, mas que se impingiu de tal forma na minha “pele” para fazer um trocadilho, além do meu coração e da minha mente, que eu fiquei dias pensando nela. Era uma história da qual eu pouco recordava e sua releitura foi um despertar de lembranças incríveis, de um tempo e de um lugar onde tudo pode acontecer: a imaginação da criança.

O psicanalista Mario Corso, que ao lado de sua mulher, a também psicanalista Diana Lichtenstein Corso, publicou o livro Fadas no Divã, em uma entrevista para a revista Época, disse que “os contos de fadas se prestam para retratar dramas íntimos de forma metafórica: ser expulsa de casa pela madrasta, enfrentar um ogro, encontrar no amor a solução de todos os males, correr o risco de virar iguaria de uma bruxa canibal. Tudo isso são absurdos que, por incrível que pareça, podem ilustrar nossos conflitos inconscientes”. Talvez isso explique o encantamento e a força dessas histórias nas nossas vidas.

Da mesma forma, a escritora iraniana, Azar Nafisi, em Lendo Lolita em Teerã, comenta a magia dos romances de ficção e dos contos de fadas e o porquê desses gêneros nos seduzir tanto. Segundo ela, Nabokov chama todo romance de conto de fadas. E acrescenta: “os contos de fadas são repletos de bruxas ameaçadoras que comem crianças, de madrastas malévolas que envenenam suas lindas enteadas, de pais fracos que deixam seus filhos abandonados nas florestas. Mas a mágica vem do poder do bem, aquela força que nos diz que não devemos nos submeter às limitações e às restrições que nos são impostas pelo Senhor Destino, como Nabokov o chamava. Todo conto de fadas oferece o potencial para superar os limites e, assim, eles oferecem liberdades que a realidade nos nega. Em todas as grandes obras de ficção, independente da impiedosa, sinistra ou implacável afirmação da vida contra a transitoriedade daquela vida, há um desafio essencial. Essa afirmação está na maneira que o autor controla a realidade, recontando-a do seu próprio modo, criando, assim, um mundo novo. Declararia com pompa: toda grande obra de arte é um celebração, um ato de insubordinação contra as traições, os horrores e as infidelidades da vida. A perfeição e a beleza da forma se rebelam contra a feiura e a miséria do tema”.

A vida, é certo, compõe-se da realidade nua e crua. Mas também está repleta de sonhos, de fantasia, do faz de conta. Sem isso acho que não conseguiríamos viver. Ainda bem.

E salve o livro infantil!

2 comentários:

  1. Querida Cecília, li tudo o que vc citou neste post e concordo com cada vírgula! Ainda tenho vários dos meus livros de infância, alguns caindo aos pedaços e, correndo o risco de me chamarem de doida, de vez em quando releio alguns. beijão!

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  2. Oi Cecilia,
    Adoro contos de fadas e concordo com Azar Nafisi, sabe? Eu li "A psicanálise dos contos de fadas" e não gostei da forma como eles foram "destrinchados". Acho que tiram toda a magia deles.
    Bj
    Paula

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