Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Já faz um tempo, mas só agora consegui escrever sobre isso. Ao esperar o trem do metrô na estação Tatuapé, sentido Cortinthians-Itaquera, me deparei com o poema acima – O Morcego –, de Augusto dos Anjos, e que me intrigou bastante, tanto pelo seu teor quanto pela forma com a qual ele estava expresso, ou seja, disposto em letras adesivadas, grandes o suficiente para serem vistas de longe, no alto da parede da plataforma central da estação.
Acabada a leitura, meus olhos percorreram toda a extensão da parede, e vi, com extasiada surpresa, que havia outros poemas ali grafados, todos de autores de língua portuguesa, como Camões, Claudio Manoel da Costa, Mário de Sá Carneiro, Olavo Bilac e Fernando Pessoa, entre outros.
Entretida nas leituras dos poemas, deixei passar alguns trens até me decidir pelo embarque. Afinal, já estava perto de casa, não havia motivo para tanta pressa e, depois, queria saber se aqueles textos já estavam ali há um tempo ou se eram recentes, porque apenas naquele momento é que os havia percebido.
O projeto Poesia no Metrô, pelo que soube depois, teve início em outubro do ano passado, primeiro na estação Vila Madalena, depois em vários pontos das estações da Linha Verde (Vila Madalena-Sacomã) e ainda no interior dos novos trens. Em seguida, as demais estações também passaram a apresentar os poemas, como a do Tatuapé, onde os vi, pela primeira vez.
Apesar da agitação e do corre-corre de todos os dias, características marcantes de uma cidade grande como São Paulo, a idéia é extremamente interessante pelo impacto e por promover o acesso aos mais importantes poemas da nossa língua. Tenho certeza de que, vez por outra, as pessoas dão um tempo na pressa e param para saborear as rimas e a cadência das belas poesias. Além do conhecimento, os textos ´também ajudam a espantar o estresse do transporte coletivo. Que venham mais...
* A foto acima é do site do metrô
Oi Cecília,
ResponderExcluirQue legal essa iniciativa, fiquei a pensar aqui, antes de ir ao trabalho, ter a oportunidade de ler uma poesia, pois vivemos numa era onde a correria está no topo, as pessoas vivem correndo a todo momento, não é msm?
Bjss.
Olá Cecília.
ResponderExcluirTive uma experiência parecida com a sua. Na estação Tatuapé do Metrô, enquanto esperava por um trem no qual conseguisse entrar,tive a grata surpresa de me deparar com as lindas e emblemáticas palavras:
"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."
(Ricardo Reis - Fernando Pessoa)
Procurando uma imagem dessa inscrição achei seu blog. Parabéns pela iniciativa de divulgar.