terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Quando a mente adoece

A mente humana é uma fonte prodigiosa de atividades psíquicas e intelectuais, cuja capacidade extrapola os limites que a própria pessoa lhe impõe. Isso porque, muitas vezes, não usamos todo o nosso potencial, a menos que fatores externos nos estimule ou nos obrigue a isso. Mas, da mesma forma que ela cria coisas extraordinárias, conduzindo-nos para uma vida plena e saudável, também pode tender a disfunções, enveredando-nos pelos vários caminhos da depressão e das doenças da mente.

Eu mesma já passei por períodos assim, depressivos, um deles recentemente, sem maiores consequências. Mas posso dizer que, por mais que você tente manter sua mente em controle, ela dá um jeito de se rebelar, de escapulir para outros lados, como se tivesse vida própria. Tentar sair de crises assim, sozinha, é impossível, mas o pior é o preconceito que estados dessa natureza carregam. Somente quem passou ou passa por algo semelhante é capaz de entender todo o alcance dos estados doentios da mente. Por felicidade, há soluções, tratamentos e, na maior parte da vezes, remédios quer queiram ou não.

Ao ler Uma Mente Inquieta, de Kay Redfield Jamison, autoridade internacional em doença maníaco-depressiva e uma das poucas mulheres catedráticas de medicina em universidades norte-americanas, é impossível não se deixar tocar pela narrativa e, ao mesmo tempo, procurar conhecer mais sobre as doenças que podem manifestar-se em uma mente humana.

O livro é um testemunho pessoal da pesquisadora, ela própria acometida pela doença maníaco-depressiva. A obra é a revelação da sua própria luta, desde a adolescência (a primeira manifestação que teve foi aos 17 anos) com a doença, e de como esta moldou sua vida. Já no início, Kay dá uma pequena mostra do estado eletrizante que vivia – e vive, caso não controle – a sua mente:

Quando são duas da manhã e se está maníaco, mesmo o centro médico da UCLA tem um certo atrativo. O hospital – geralmente um aglomerado frio de prédios desinteressantes – tornou-se para mim, naquela madrugada de outono há quase vinte anos, um foco do meu sistema nervoso perfeitamente sintonizado, em intenso estado de alerta. Com as vibrissas ardendo, as antenas empinadas, os olhos se adiantando velozes, facetados como os de uma mosca, eu absorvia tudo ao meu redor. Eu estava correndo. Não simplesmente correndo, mas correndo com velocidade e fúria, como um relâmpago a atravessar, de um lado para o outro, o estacionamento do hospital, procurando gastar uma energia ilimitada, irrequieta, maníaca. Eu corria rápido, mas lentamente enlouquecia.

A princípio, suas crises lhe traziam uma enorme carga de energia, que a fazia produzir, criar, pesquisar, trabalhar incansavelmente, brilhantemente. Porém, com o decorrer do tempo, essas fases eram seguidas de estados depressivos, em que tudo era obscuro, vazio, sem sentido. Nesse mesclar de sentimentos adversos ela foi levando a vida, conseguindo estudar, se formar, dar aulas e manter-se no trabalho clínico que, por ironia, era justamente atender pacientes com a mesma doença. Fico imaginando se esses pacientes, ou seus familiares, tinham consciência do problema, ou, então, se tivessem, se ainda assim continuariam o tratamento com ela.

De qualquer forma, Kay aproveitou sua doença para aprender mais, se especializando no assunto, procurando ajudar os outros e a si mesma. No entanto, ela tinha uma certa resistência em utilizar um medicamento que começava a se mostrar eficaz nos distúrbios bipolares: o lítio, por causa dos efeitos colaterais que desencadeava. E, assim, no decorrer do tempo, as alternâncias de seu estado emocional foram se intensificando, de forma que nem pensar ou ler ela conseguia mais, sua mente era muito rápida, muito dinâmica, sem concentração e acompanhá-la tornou-se uma tarefa complicada, até mesmo para ela. Além disso, a fase depressiva era cada vez mais terrível e mortal, ao ponto de ela quase ter conseguido se matar.

Felizmente ela rendeu-se ao tratamento, deixando bem claro que a associação entre medicação – no caso o lítio –, a psicoterapia e o amor da família e amigos são fundamentais para controlar a doença.

Concordo em gênero, número e grau com a visão de Eliot, ecoando o Eclesiastes, de que há um tempo para tudo, um tempo para construir e “um tempo pra que o vento quebre a vidraça solta”. Portanto, eu agora me movimento com maior facilidade em meio às marés inconstantes de energia, ideias e entusiasmos às quais continuo tão sujeita. De quando em quando minha mente ainda se transforma num parque de diversões de luzes, risos, sons e possibilidades. O riso, a exuberância e a espontaneidade me preenchem e acabam derramando sobre os outros. Esses momentos gloriosos, cintilantes, duram algum tempo, um período breve, e passam. Minhas altas esperanças e emoções, depois de andar rapidamente pela parte mais alta da roda-gigante, tão de repente quanto surgiram, voltam a mergulhar numa massa exausta, cinzenta e negra. O tempo passa; esses estados de espírito passam; e eu acabo voltando a ser eu mesma. E depois, em alguma hora inesperada, o eletrizante parque de diversões volta à minha cabeça.

De fato, para uma mente inquieta, o botão de alerta deve estar sempre acionado.

5 comentários:

  1. Oi, Cecilia
    Muito interessante este livro...é muito importante divulgar que esses problemas tem tratamento e que não é vergonha nenhuma precisar de medicação. O apoio da família tb é fundamental nesses casos.
    Bjs

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  2. Oi, Cecilia,
    Muito bacana o seu blog.
    Conheço pessoas com transtorno bipolar, pânico e outras doenças do tipo. Seu texto é muito interessante pq nos dá clareza sobre a doença e uma possibilidade de chegar mais perto. Estudei arteterapia e gosto de tentar entender os mistérios da mente humana p ajudar aos outros e a mim mesma.
    Bjo grande p vc!

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  3. Ah, tem selinho para vc no meu blog..bjs

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  4. oi, Cicinha! quero ler esse livro, parece bem interessante, ainda mais pelo fato de eu ter tido depressao e ter sofrido (e aprendido) muito com isso.
    beijo grande, Cris

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  5. Nossa, eu li este livro há uns dois anos mais ou menos. E, assim como você, fiquei impressionada com o depoimento da autora e as peculiaridades da mente humana, que tem potencial para construir e destruir, na mesma medida. Mas,como você disse, o importante é estarmos sempre em alerta... Adorei o texto!

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