sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Viagem com Saramago

A literatura portuguesa é pródiga em produzir grandes escritores. Camões, Padre Antonio Vieira, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, José Saramago e Antonio Lobo Antunes são bons exemplos dessa engenhosidade.

Pela proximidade da língua e pela importância no cenário literário, sempre me interessei em ler esses autores, mas admito certa dificuldade com o vocabulário e a construção das frases. Isso porque, embora a mesma língua, o português escrito de Portugal é diferente do português do Brasil, assim, quando tentei ler Lobo Antunes, não consegui e acabei abandonando a leitura, não sem certo pesar.

Com José Saramago, autor que eu ainda não tinha lido, temia que o mesmo pudesse acontecer. Ainda assim arrisquei e não me arrependi, por que o seu A Viagem do Elefante é um desses livros impossíveis de largar antes de chegar à última página. A narrativa é interessante e a leitura flui, apesar do estilo com parágrafos longos, sequenciais, quase sem pontuação nos diálogos e com ausência de maiúsculas nos nomes próprios e de lugares. É tudo muito claro, muito simples, muito gostoso de ler.

Saramago escreveu o livro por uma série de fatores, da mesma forma que uma série de fatores me levou a ler o livro. O escritor, a convite de uma professora da Universidade de Salzburgo, na Áustria, que lia em português, foi dar uma palestra aos alunos dela na instituição. Para confraternizar, a professora o levou para jantar no restaurante O Elefante, onde Saramago ficou fascinado por umas figuras representativas da viagem de um elefante, que no século XVI cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagância de um rei e um arquiduque. E desse fato histórico, o escritor criou uma ficção em que tece comentários sobre a natureza humana.

O livro surgiu à minha frente quando fui assistir, no final do ano passado, o documentário José e Pilar, do diretor português Miguel Gonçalves Mendes. O filme mostra o processo de criação de A Viagem do Elefante, sua publicação e o lançamento no Brasil, em 2008. Ao mesmo tempo, faz um olhar sobre a intimidade do escritor – mas sem invasão – ao lado de sua mulher Pilar Del Rio, jornalista e tradutora, que o assessorava, organizava sua agenda e o incentivava nos momentos mais difíceis, como naquele em que Saramago adoece seriamente antes de concluir o livro. Por isso, não é à toa que na dedicatória de A Viagem do Elefante consta a frase: “A Pilar, que não deixou que eu morresse”.

Ao sair do cinema fiquei desesperada para ler o livro e continuar naquela história mágica que me surpreendeu na tela. Não era o livro que eu queria ter me iniciado com Saramago, mas com certeza foi o certo. Me apaixonei pela história, pela narrativa, pelos personagens, sobretudo pelo cornarca (tratador, condutor, adestrador), chamado Subhro (que quer dizer branco) a princípio, mas transformado em Fritz a caminho da Áustria. E, claro, o elefante Salomão (e depois Solimon), um ser único, valente, corajoso, sensível e esperto. Temia pelo seu desfecho, afinal aquela viagem foi um sacrifício extremo que lhe impuseram. Veja a passagem:

"...Agora, porém, depois de trezentas léguas a andar, grande parte delas por caminhos que o diabo, apesar dos seus pés de bode, se negaria a pisar, solimão já não merece que lhe chamem indolente. Tê-lo-ia sido durante a permanência em portugal, mas isso são águas passadas, bastou-lhe ter posto o pé nas estradas da europa para logo ver acordarem em si energias de cuja existência nem ele próprio havia suspeitado. Tem-se observado com muita frequencia este fenomeno nas pessoas que, pelas circunstâncias da vida, pobreza, desemprego, foram forçadas a emigrar..."

Mas não vou me adiantar, para não entregar o final. Terminou como tinha de terminar. Da maneira mais simples e bela.

A Viagem do Elefante é um daqueles livros prazerosos, que queremos ler rápido para saber como acaba, mas que, ao mesmo tempo, não queremos deixar para não perder o encanto e a magia que só as boas histórias são capazes de retratar.

Este foi o penúltimo livro escrito por Saramago. O último foi Caim.

2 comentários:

  1. Viajando pela blogosfera, encontrei-a por acaso.
    Gostei de ler o que aqui escreveu sobre "A Viagem do Elefante", de José Saramago.
    Tenho quase toda a sua obra.
    Se me permite sugiro que leia (se ainda o não fez)"Ensaio sobre a Cegueira", "Ensaio Sobre a Lucidez", e, obviamente, "Memorial do Convento", que na minha opinião é a sua obra-prima.
    Saramago é um narrador ímpar, criador de personagens únicos como a Belimunda sete-luas do "Memorial do Convento".
    Na Literatura Universal só outro escritor me cativa tanto: o colombiano Gabriel García Márquez.
    Abraço

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  2. A Viagem do Elefante é sem dúvida um grande livro, mas "O Memorial do Convento" está, quanto a mim, uns niveis acima, foi o melhor livro que li até hoje. Relativamente a Lobo Antunes, confesso que gosto bastante do que escreve, mas não é fácil entrar na escrita dele.

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