O jornalista e escritor, Sérgio Rodrigues, em seu blog Todoprosa ( http://veja.abril.com.br/blog/todoprosa/ ) costuma publicar, de tempos em tempos, uma seção intitulada “Começos inesquecíveis”, na qual destaca os grandes inícios da história a ser contada nos livros. Se o começo for bom, o leitor será fatalmente fisgado para prosseguir na leitura do romance, visando chegar ao seu final.
Manter o leitor lendo, de fato, não é uma tarefa fácil. E vários são os livros que, contando uma excelente história, não conseguem prender o leitor desde o seu início. Para estes, a paciência é a palavra-chave, é preciso tentar, esperar que a trama se desenrole e se revele aos nossos olhos, de forma a se tornar uma leitura prazerosa, à qual se quer voltar sempre para aportar no seu desfecho.
Outros, no entanto, conseguem a façanha, de já na abertura, segurar o leitor em suas páginas. Sérgio Rodrigues, aliás, já destacou, alguns bons começos de livros em seu blog, contando também com a participação de seus seguidores, com sugestões e preferências nesse campo.
Das leituras que fiz, até hoje, para mim, a preferida, a que tem uma bela abertura, que seduz de imediato é Lolita, do escritor russo Vladimir Nabokov que, entre outras artimanhas no romance, criou a palavra ninfeta, para designar a “menina de sensualidade precocemente desenvolvida, e que desperta forte atração sexual”, segundo definição do dicionário.
O livro conta história da paixão de um homem mais velho por uma menina de 12 anos, a Lolita do título. O começo da narrativa, é simplesmente poético, musical, fabuloso:
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Por outro lado, tenho afeição especial a outra abertura, por remeter à minha adolescência, época em que a li, e que me fez encantar pela linguagem regionalista de José Lins do Rego. Trata-se de Menino de Engenho, que conta a história do menino Carlinhos. Após a morte da mãe, ele vai morar com o avó no Engenho Santa Rosa, no interior paraibano. É um retrato da vida nos engenhos. O livro começa assim:
EU TINHA uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo para todos os cantos. O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Corri para lá e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima dela como um louco. A gente toda que estava ali olhava para o quadro como se estivesse a assistir a um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força. Chorei, fiz o possível para livrar-me. Mas não me deixaram fazer nada. Um homem que chegou com uns soldados mandou então que todos saíssem, que só podia ficar ali a Polícia e mais ninguém.
Levaram-me para o fundo da casa, onde os comentários sobre o fato eram os mais variados. O criado, pálido, contava que ainda dormia quando ouvira uns tiros no primeiro andar. E, correndo para cima, vira o meu pai ainda com o revólver na mão e a minha mãe ensanguentada. “O doutor matou a Dona Clarisse! Porquê?” Ninguém sabia compreender.
É muito bom quando um livro prende a nossa atenção logo de “cara”, afinal a primeira impressão sempre é a que fica. Mas acho que vale a pena insistir nas outras leituras, mesmo porque grandes aberturas são raras, e o resultado ao final, pode surpreender.
É muito bom quando um livro prende a nossa atenção logo de “cara”, afinal a primeira impressão sempre é a que fica. Mas acho que vale a pena insistir nas outras leituras, mesmo porque grandes aberturas são raras, e o resultado ao final, pode surpreender.
Também acompanho esses posts do Sérgio, Cecília! Meu começo de livro preferido é de O Estrangeiro, de Camus:
ResponderExcluir“Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames”. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem”.
Acho muito forte, impactante, marcante...
Bjs!
Realmente, prender o leitor desde o início é uma arte.
ResponderExcluirRealmente não é fácil prender a atenção do leitor no começo. Mas eu resisto bravamente para ver se consigo me encantar com o livro.
ResponderExcluirBj