Charlotte
O que aconteceria se
uma mulher despertasse uma manhã transformada em homem? E se a família não
fosse o campo de treinamento onde o menino aprende a mandar e a menina a
obedecer? E se houvesse creches? E se o marido participasse da limpeza e da
cozinha? E se a inocência se fizesse dignidade? E se a razão e a emoção
andassem de braços dados? E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade?
E se ninguém fosse propriedade de ninguém?
Charlotte Gilman
delira. A imprensa norte-americana a ataca, chamando-a de mãe desnaturada; e
mais ferozmente a atacam os fantasmas que moram em sua alma e a mordem por
dentro. São eles, os temíveis inimigos que Charlotte contém, que às vezes
consegue derrubá-la. Mas ela cai e se levanta, e cai e novamente se levanta, e
torna a se lançar pelo caminho. Esta tenaz caminhadora viaja sem descanso pelos
Estados Unidos, e por escrito e por falado vai anunciando, nos começos do
século XX, um mundo ao contrário.
O
trecho acima faz parte de uma coletânea intitulada Mulheres, de Eduardo Galeano, publicada pela L&PM Pocket, e que
reúne textos selecionados pelo próprio autor dos seus livros, como a trilogia Memória do fogo (Os nascimentos, As caras e as máscaras e O século do vento), O livro
dos abraços, As palavras andantes, Vagamundo, Dias e noites de amor e guerra e
outros.
Os
textos constantes em Mulheres enfocam,
de forma lírica e poética, às vezes triste e até engraçada, pequenas histórias
de mulheres da América Latina ou ligadas a essa região. São pessoas célebres,
algumas nem tanto ou ainda anônimas, não importa. São mulheres que, com sua
vivência, deixaram marcas no dia a dia das pessoas com as quais conviveram e,
por isso, devem ser lembradas.
Dentre
essas, Charlotte Perkins Gilman (1860-1935), da citação acima. Escritora
norte-americana, sua produção literária enfoca as relações entre mulher e homem
e a opressão da sociedade em que viveu. Ao lado dela, surgem nomes como o da
escrava Jacinta de Siqueira, “africana do Brasil, fundadora da Vila do Príncipe
e das minas de ouro dos barrancos de Quatro Vinténs”; a atrevida Xica da Silva,
escrava que virou rainha no século XVIII; a revolucionária Manuela Saénz, que junto
a Simón Bolívar, seu amante, lutou pela independência das colônias sul-americanas;
e a compositora e cantora Violeta Parra, considerada a mais importante
folclorista do Chile.
Enumerar
as mulheres citadas – ainda Frida Khalo, Tina Modotti, Evita, Carmem Miranda,
Isadora Duncan – é uma tarefa ingrata, são tantas, uma mais interessante do que
a outra. Mas vale ainda lembrar de Sor Inês de La Cruz, religiosa católica,
poetisa e dramaturga mexicana que, na prosa de Galeano, ganha seis textos: aos
quatro, sete, 16, 30 e 42 anos, entremeados ainda por um sobre sonho. Ali acompanhamos
um pouco sua trajetória, da menina sonhadora e inventiva, que queria cursar
universidade, até a aceitação da sua submissão quando vai para o convento.
Todas
essas histórias li com sofreguidão e interesse, aguçando ainda mais a minha
vontade de conhecer melhor essas mulheres e, por extensão, a América Latina. E,
em se tratando de história, Eduardo Galeano, escritor uruguaio nascido em
Montevidéu, fornece um belo panorama em suas obras. Seu livro As veias abertas da América Latina, por
exemplo, é um clássico no gênero para
saber mais sobre a região, a opressão e a exploração, além da riqueza cultural
que dispõe. Uma joia que já coloquei na minha lista de leitura.
Obrigada Cecília! O compartilhamento da resenha sobre o livro Mulheres, complementou e enriqueceu meu olhar sobre a obra.
ResponderExcluirRose da Silva
Fico feliz que tenha gostado. É um visão bem pessoal. Abs.
ExcluirMuito obrigada. Quero ler seus livros e também, te pedir um favor, ou melhor, me dar de presente a você, através de meu trabalho como mulher, latina, barroca e surrealista; Depois do carnaval ( estou refazendo o site, abra em www.carolinawhitaker.com.br E fale comigo
ResponderExcluirOlá Carolina, obrigada. Vou conferir seu site. Abs.
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