Não é fácil
administrar tudo isso, assim sigo uma lista pré-estabelecida, procurando
mesclar os gêneros, os autores, as nacionalidades. Mas nada é muito rígido e,
vez por outra, me pego invertendo a ordem, resgatando um livro que ficara lá
embaixo e galgando-o a um posto mais alto, encaixando outro que acabei de
conhecer, ou ainda lembrando daquele que há tempos pretendia ler, mas que por
não ser tão urgente deixei para depois. Coisa de doido mesmo, ou melhor, de
doida.
Tudo vai
depender, é claro, do momento, da situação, da circunstância para ler este ou
aquele livro. A escolha do novo Papa, Francisco, por exemplo, despertou em mim
um interesse antigo. Por ele ser jesuíta, fato inédito na história do papado,
fiquei absolutamente curiosa para saber mais sobre o assunto e a ordem. Resolvi
a questão com rápidas pesquisas pela internet, até que me lembrei de um
livrinho que estava guardado na minha caixa-estante há pelo menos três anos sem
ser lido: Padre Antônio Vieira – o
imperador da Língua Portuguesa, de Amélia Pinto Pais, publicado em 2010
pela Companhia das Letras.
Meu
interesse a cerca do Padre Antônio Vieira não é de hoje, nem de três anos. Seus
famosos Sermões são exemplos
inspiradores e exercícios de escrita pela linguagem elaborada e ao mesmo tempo
clara, portanto motivos mais do que suficientes para conhecê-lo e lê-lo. Além
disso, ele foi jesuíta, missionário, perfeito para saciar meu mais recente – e reacendido
– interesse. Não deu outra: fui lá, no fundo da caixa, e resgatei-o.
Dirigido
sobretudo a jovens leitores, o livro é dividido em duas partes: na primeira,
escrita na forma de autobiografia, como se o próprio Pe. Vieira escrevesse postumamente,
narra os principais acontecimentos de sua vida. Nascido em Lisboa em 1608,
Vieira passou uma parte da vida no Brasil, em Salvador (Bahia), retornou a Portugal,
foi para Roma, voltou ao Brasil, de novo rumou para Portugal e por fim
estabeleceu-se em Salvador até a morte, aos 89 anos. Foi amigo íntimo do Rei
João IV, atuou como político, defendeu os negros e índios em seus sermões e
viveu os terrores da Inquisição.
Na segunda
parte do livro estão reunidos trechos de alguns de seus principais e mais
famosos sermãos, além de citações extraídas de sua obra e excertos de sua
correspondência. O livro traz também dois anexos: um texto explicando a
estrutura de um sermão e outro falando sobre a Inquisição.
Notável
orador, Pe. Vieira cuidou para que seus sermões ficassem para a posteridade,
reunindo-os e publicando-os posteriormente. Entre estes destacam-se o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão da Sexagésima, este pregado em
1655 na Capela Real, em Lisboa, e que fala sobre o poder da arte de pregar
sermões. Deste é notável o trecho em que fala do “estilo”:
Não fez Deus o céu em xadrez de
estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma
parte está branco, da outra há de estar negro; se de uma parte está dia, da
outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra há de dizer
sombra; se de uma parte dizem desceu, das outras hão de dizer subiu. Basta que
não havemos de ver em um sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre
em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e
também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As
estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da
pregação, muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o
estilo baixo; as estrelas são muito distintas e muito claras e altíssimas. O
estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não
sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.
Em tempo: a
autora, Amélia Pinto Pais, nasceu em 1943, em Portugal. Foi professora de
francês e português por mais de 30 anos e escreveu ainda ensaios sobre Camões,
Fernando Pessoa e Gil Vicente, além de uma história da literatura em Portugal.
Faleceu em 2012, aos 69 anos.
Não sei se sabe, mas depois de ter lido "O Sermão de Santo Antônio aos Peixes", o padre António Viera embarcou logo para Portugal, temia pela sua segurança.
ResponderExcluirExiste coisas que parecem que sempre foram iguais, muitas vezes quando se diz a verdade sofresse represálias.