Anos atrás,
quando assisti em vídeo A lenda do
cavaleiro sem cabeça eu nem imaginava que o filme se baseava em uma obra
literária e muito menos que essa obra fosse de autoria do escritor
norte-americano Washington Irving. Pior, eu nem conhecia o autor.
Esse
desconhecimento, no entanto, perdurou anos até que há cerca de um ano descobri
que Washington Irving nasceu há exatos 230 anos, em 3 de abril, o mesmo dia em
que eu nasci. A coincidência levou-me a saber mais sobre o escritor e sua obra
e qual não foi minha surpresa quando me deparei com A lenda do cavaleiro sem cabeça (The legend of Sleepy Hollow) que, aliás, é bem diferente da
adaptação feita para o cinema. O filme, caso raro, pareceu-me mais interessante
que a obra, na verdade um conto em que o autor mistura lendas, mitos e
tradições.
Escrita em
1820, a narrativa, segundo estudiosos e comentaristas, firmou um padrão e um
modelo de escrita que marcou decisivamente as gerações de escritores norte-americanos
que se seguiram. E isso se deve ao estilo adotado por Irving, que mescla
fábula, lenda e narrativa de ficção, aliados a elementos do sobrenatural e do
gótico.
Em A lenda do cavaleiro sem cabeça o
desconjuntado, erudito e pedante Ichabod Crane, professor do vilarejo de Sleepy
Hollow (vale sonolento), situado a 40 km ao norte de Manhattan, trava uma ”batalha”
com o vigoroso e brincalhão Brom Bones pela mão da rica herdeira e bela donzela
Katrina van Tassel. Como pano de fundo, a misteriosa lenda do cavaleiro sem
cabeça, que povoa a imaginação dos moradores da região.
Talvez por
se tratar de um conto, uma história curta, ou quem sabe pela inevitável
comparação com a adaptação para o cinema de Tim Burton e estrelada por Johnny
Depp, a história me decepcionou um pouco. Achei que a lenda do “cavaleiro sem
cabeça” ficou obscurecida, quase relegada, só aparecendo mais ao final da
história, sem atinar se é real ou não. Pode ser que esta seja a intenção do
autor.
Mas para
minha agradável surpresa, na mesma edição em que li A lenda..., havia outro conto de Irving: Rip van Winkle, esta sim uma narrativa que valeu a pena ler. A
história é ambientada na época em que os Estados Unidos passam da condição de
colônia do Reino Unido para nação independente, portanto um período marcante da
história norte-americana.
Na época, van
Winkle, um personagem folgazão, mas simpático e estimado por todo o povoado,
tem em seu encalço a esposa, uma “fera” como é descrita e que lhe cobra uma
atitude mais pró-ativa. Em um de seus passeios, van Winkle adormece próximo ao rio
Hudson, em um lugar povoado por lendas, numa época histórica (colônia) e acorda
em outra (nação independente), já velho e ultrapassado. Ao voltar para o
vilarejo, tudo está diferente, até as pessoas são outras. E, quando questionado
pelos moradores quem ele é, van Winkle responde:
– Só Deus sabe – exclamou, no limite
da razão. – Eu não sou eu... eu sou outro... sou eu acolá... não... aquele é
alguém metido nos meus sapatos. Eu era eu a noite passada, mas adormeci na
montanha. Eles trocaram minha espingarda e tudo mudou... e eu mudei. Não posso
dizer qual é o meu nome nem quem eu sou!
A narrativa
é elegante, envolvente, bem traçada, unindo tradições, costumes e lendas de um
povoado rural marcado pela colonização holandesa nos Estados Unidos.
Os dois
contos são narrados, ou melhor, foram encontrados nos escritos de Diedrich
Knickerbocker, velho cavalheiro de Nova York, muito curioso pela história
holandesa da província e pelos costumes dos descendentes de seus primitivos
colonizadores. Na verdade, um pseudônimo de Washington Irving, um personagem de
ficção.
O autor
nasceu de uma família nova-iorquina, abastada e grande, de origem escocesa. Formou-se
em Direito, mas foi nas Letras que ganhou prestígio, possuindo uma vasta obra
que se estende pelo jornalismo, crônica, ensaio, biografia, história e prosa de
ficção, com destaque para narrativa curta.
Seu livro
mais conhecido internacionalmente é a coletânea The skeath book of Geoffrey Crayon (1819-1820), influenciado pela
obra do escritor escocês – e amigo pessoal - Walter Scott. A lenda do cavaleiro sem cabeça e Rip van Winkle se encontram na
coletânea.
Washington Irving
morreu em 28 de novembro de 1859, em Tarrytown, onde foi sepultado no cemitério
de Sleepy Hollow.
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