quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Quadrinhos não é só para crianças


Assim como a maioria das crianças, leituras em quadrinhos fizeram parte da minha infância. Pela minha casa circulavam Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey, Pateta, Zé Carioca e tantos outros. Eu adorava ler as histórias dessas revistinhas, sobretudo aquelas que traziam os Irmãos Metralha, a Maga Patalógica, a Madame Mim, o Peninha e o Professor Pardal. E tinha ainda os super-heróis da Marvel, como o Homem-Aranha, O Incrível Hulk, o Capitão América e o Homem de Ferro, e os da DC Comics, como o Superman e o Batman. Além destes, apreciava também a Turma do Charlie Brown, com o sapeca do Snoopy, que aprontava todas. Depois entrei no universo da Turma da Mônica, e gostava, particularmente, da Tina, uma riponga engraçada, às voltas com seu amigo Rolo.

Mas aí cresci e os quadrinhos deixaram de fazer parte das minhas leituras, como tantas outras aventuras tidas como “infantis”. Se bem que Fernando, meu sobrinho, é um aficcionado por essas revistas e por desenhos e animações, e eu sempre procurei estimulá-lo nisso, comprando-lhe cada vez mais gibis.

No entanto, os quadrinhos só voltaram a me “pegar” novamente, e desta vez com força total, há oito anos, quando cursei a pós em Jornalismo Internacional, na PUCSP. Na época, em uma das disciplinas do curso, tive uma palestra com a professora Sonia Luyten, pioneira em levar as HQs para a sala de aula e especialista em mangás, que falou sobre a figura feminina nos quadrinhos.

A palestra foi tão interessante que sai dali louca para conhecer mais sobre o fascinante mundo das histórias em quadrinhos. Mas ainda assim não sabia por qual caminho seguir, porque aquelas revistas da minha infância já não me atraíam do mesmo modo. Foi quando, pesquisando pela Internet, descobri revistas que são verdadeiros livros, voltados para o público adulto, dentre estas, Palestina, do jornalista e cartunista Joe Sacco. E qual não foi minha surpresa quando vi ali uma verdadeira reportagem em quadrinhos. Gostei tanto do livro que acabei fazendo minha monografia do curso em torno dele.

E a partir desse pequeno grande achado, vislumbrei muitos outros quadrinhos voltados para o público adulto, a maioria verdadeiras jóias no melhor estilo jornalístico e de ficção. Conheci os trabalhos de Neil Gaiman e seu universo sobre Sandman e Coraline; Will Eisner, o grande mestre das graphic novels e criador do Spirit; Art Spielgman e seu mundo perturbador de Maus; Frank Miller, com a realidade crua de Sin City; Alan Moore com seu anti-herói V de Vingança; e mais recentemente os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, com suas contagiantes histórias sobre o cotidiano na Fanzine 10 Pãezinhos.

Hoje tenho uma pequena biblioteca de quadrinhos em casa e tantos outros livros mais para comprar. E pelo crescente interesse que área vem despertando e os novos talentos que surgem a cada dia, acho que vou ter de reservar um espaço ainda maior para poder abrigar toda essa cultura de massa, que está ficando cada vez mais refinada.

Na verdade, me lembrei de toda essa história por causa de uma outra, que começou com a nova edição da revista Tina, de Maurício de Souza, já em circulação nas bancas de jornais. No gibi, aparece um novo personagem da turma, o Caio, criado pela equipe do cartunista para ser o melhor amigo de Tina. Na história, ele é apresentado como sendo "supostamente" gay, por assumir que é "comprometido", no momento em que pede para um outro rapaz confirmar.

Cheguei até a ler um post bem legal sobre os gibis da Turma da Mônica e da Tina no Universo Para Lego , o blog da minha amiga Daiana. Bom, tudo poderia ter ficado por aí, se hoje eu não tivesse visto na internet que o assunto "a nova edição da Tina" começou a gerar polêmica, e de uma tal forma que Maurício de Sousa precisou emitir uma nota à imprensa “para esclarecer alguns pontos”. Segundo a nota, a revista Tina é uma publicação destinada a um público adulto jovem e que “não há qualquer afirmação sobre a sexualidade deste ou daquele personagem”. A nota diz ainda que “publicações dirigidas a faixas de público com idades diferenciadas podem – e devem – tratar de quaisquer assuntos de maneira adequada ao seu leitor. Mas uma posição vai se manter em TODAS as nossas produções: o respeito pelo ser humano, pela pessoa, e a elegância no trato de qualquer tema”.

Acho que não precisava de nada disso em pleno século XXI, mas os preconceitos estão tão arraigados na sociedade que muitas vezes são difíceis de se desprenderem. Isso me faz lembrar de uma outra polêmica que foi pauta do noticiário este ano: a proibição e a retirada do livro Um Contrato com Deus, de Will Eisner, das escolas públicas, por conter cena que sugere sexo e violência. Será que estamos voltando aos tempos da Inquisição? Era só o que faltava.

De certa forma, ainda há aquela ideia errônea de que quadrinhos é coisa de criança, quando na verdade existem hoje um infinidade de HQs que não apenas divertem, mas também emocionam com histórias enaltecem os traços dos artistas. Elas contam e recontam histórias de ficção e do real com um fidelidade digna que nos faz mergulhar por inteiros naquelas imagens. Não têm como não serem atrativas, não têm porque restringi-las a uma determinada faixa etária.

O que falta, a meu ver, no caso da Tina, é as pessoas conhecerem primeiro a obra, verem sua proposta, não deduzirem em torno de suposições e se inteirarem do público a que se destina. Já no caso das escolas, é ter mais critério para poder selecionar o que a garotada precisa ler, sem se esquecer de que há muito tempo os quadrinhos não são mais lidos somente por crianças, mas por adultos também, de forma que seu conteúdo é direcionado. Mas nunca podar, nem censurar e muito menos querer jogar este ou aquele livro na fogueira, ainda que fictícia.

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