terça-feira, 10 de novembro de 2009

Coração desapontado


– Você viu quando ele chegou ao Anhembi? – Ana perguntou.
– Não –
respondi.
– Por que? Havia muitos seguranças por lá?
– Não é isso.
– O que foi então?
– Não sei, não tive vontade.
– Ah...
– E o engraçado, pensei comigo, é que tempos atrás eu moveria céus e terras só para vê-lo pessoalmente. No entanto, eu não arrisquei em mexer um milímetro sequer na direção dele.
– Por isso que eu falo: não tenha ninguém como mito. Essas personalidades são seres humanos, como nós, portanto têm falhas.
– Eu sei, mas às vezes a gente prefere não "ver" para continuar no sonho.


Este diálogo aconteceu ontem, na hora do almoço, quando contei para Ana, minha colega de trabalho, um fato que me ocorreu na sexta-feira passada. Eu tinha ido ao Anhembi para cobrir o evento do Jubileu de Ouro da SPO – Sociedade Paulista de Ortodontia, entidade para a qual faço uma revista. Em dado momento da conversa, falei sobre as reviravoltas que uma decepção pode provocar, no caso o desapontamento com um ídolo no qual você acreditava e sonhava em ver de perto um dia. É que essa possibilidade surgiu naquele dia, no Anhembi, porque também ali acontecia um outro evento – o Congresso do PCdoB – e o personagem em questão, o presidente Lula, estaria lá.

Fui uma admiradora incondicional do operário Luís Inácio Lula da Silva, e acompanhei toda sua escalada e tentativas de chegar à presidência da República. Votei nele em todas as eleições das quais ele participou, chorei muito quando ele perdeu para o Collor – porque tinha como garantida sua vitória –, vibrei demais quando, finalmente, ele chegou ao poder, e me entristeci quando vi pessoas torcendo para que tudo desse errado já na sua posse em Brasília. No entanto..., não é que deu errado, mas falhou em muitos pontos nos quais ele mesmo fazia questão de defender.

Assim, foram tantas e tantas denúncias de corrupção que, no auge da crise que culminou com o escândalo do mensalão em 2005/2006, fiquei completamente frustrada pelo silêncio e pela omissão do presidente. Esperava uma reação dele, alguma coisa enérgica, um rompimento, talvez, mas ao invés disso ele se manteve calado, cabisbaixo, alheio a tudo.

Não conseguia entender o que se passava até que comecei a ler Coração Enfurecido, de Ingrid Betancourt, uma pequena autobiografia que a então senadora colombiana lançou em 2001. O livro conta sua trajetória pessoal e política, revelando os esquemas de corrupção do Estado colombiano da época.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Bom, guardadas as devidas proporções, quando li aquele livro a corrupção falava alto no governo Lula e vi paralelos da política de lá com a nossa, ainda que a motivação e os caminhos sejam outros: no caso da Colômbia, os cartéis da droga; no Brasil, os grandes grupos monopolistas.

Segundo Ingrid, em seu livro, o então presidente Ernesto Samper, cuja campanha presidencial foi patrocinada pelo dinheiro das drogas, ficou omisso quando as denúncias vieram à tona e dizia não saber de nada, exatamente como acontecia no cenário político brasileiro de 2006. Fiquei chocada com a semelhança e quanto mais eu lia mais achava que tudo aquilo que havia se passado por lá, estava sendo reprisado no Brasil. Então parece que meus olhos se abriram para uma outra realidade e o que vi foi um retrato cinzento, duro, inacreditável. Vi o sonho se apagar, morrer, desaparecer.

O relato de Ingrid é fascinante e vale a pena ser lido para se conhecer melhor os bastidores da histórica política da Colômbia e o poder das drogas. Por outro lado, é terrível, porque desmistifica muito essa “coisa” de ideologia, apesar de trazer um quê de esperança com uma nova opção de cidadania que ela lutava para instalar. Em 2002 ela foi sequestrada pelas Farcs, ficando em seu poder durante seis anos, sendo libertada em 2008.

Hoje, passados três anos do episódio do mensalão, sinto que aquela chama revolucionária que existia dentro de mim diminuiu, se é que não se apagou de vez, e passei a adotar uma posição mais apolítica. No entanto, percebo que a ferida não cicatrizou por inteiro, porque por coincidência, ainda ontem, vi o trailer do filme Lula, o filho do Brasil, que será lançado em janeiro, e me emocionei muito. Naquele curto tempo em que algumas cenas são apresentadas para termos uma ideia de como será o filme, meus olhos não conseguiram segurar as lágrimas que escorregaram pela minha face, demonstrando com isso que o assunto Lula ainda dói em mim.

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