sexta-feira, 3 de junho de 2011

Lembrando Kafka

“Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos.

Assim começa A Metamorfose”, uma das mais aclamadas obras do escritor tcheco, Franz Kafka, cujo aniversário de morte é lembrado hoje, 87 anos depois. O início do livro, aliás, é um dos mais belos e impactantes da literatura universal, prendendo a atenção do leitor – e preparando-o – para a história de um indivíduo acuado por uma sociedade cada vez mais individualista e alienante.

Li A Metamorfose há um bom tempo, mas sua trama ainda ecoa na minha cabeça, como um dos contos mais claustrofóbicos que conheci. Recentemente, ele voltou ao rol das minhas leituras quando me deparei com a “transposição” da obra para os quadrinhos, com roteiro e arte assinados por Peter Kuper, cartunista norte-americano, que mesclou o estilo underground americano ao expressionismo alemão.

Com traços firmes, manchas e letras que invadem as imagens, tendo como pano de fundo o clima sombrio que caracteriza o conto, Peter fez um belo trabalho de diálogo com a obra kafkiana. Os desenhos são expressivos e intensos, traduzindo fielmente toda a carga dramática da história.

No conto, Gregor Samsa é um caixeiro-viajante que precisa trabalhar para ajudar financeiramente os pais e ajudá-los a saldar suas dívidas. Sentindo-se tragado pelas agruras da vida e da profissão, ela acorda em uma manhã transformado em um horrível inseto, semelhante a uma barata. Nesse estado ele passa por diversos estágios que vão da praticidade da situação, escorrega no psicológico e desembocam no sentimental.

Repudiado pela família, que sente aversão pela sua metamorfose, Gregor vê sua vida e a vida deles se transformarem. É uma história que retrata o homem moderno e desesperado frente a uma sociedade cada vez mais absurda e alheia ao ser humano.

Franz Kafka morreu um mês antes de completar 41 anos e, apesar de jovem, foi um dos maiores escritores de ficção da língua alemã do século XX. Dele ainda “li” O Castelo, quer dizer, cheguei até a metade do livro e, como o autor que não terminou a obra, não atingi o fim da história.

Esse livro, lançado depois de sua morte, conta a história do agrimensor K., chamado por um conde de um local não especificado para prestar seus serviços. Já na cidade, K. tenta de todas as maneiras entrar no castelo onde tem de fazer o serviço, mas não consegue, ficando apenas nas imediações do local. É uma história inquietante, mas ao mesmo tempo estranha e confusa, uma vez que os personagens se desmentem, contando várias versões para o mesmo fato. O autor não concluiu a obra e o seu final ficou aberto, mas não cheguei a ele, acabei abandonando a leitura. Quem sabe um dia ainda volte a ela.

E para terminar, gostaria de fazer uma menção a outro escritor, que não tem nada a ver com Kafka, mas que no dia hoje é lembrado pelo 110º aniversário do seu nascimento: José Lins do Rego, um dos romancistas regionalistas mais prestigiosos da literatura nacional, e um dos meus escritores brasileiros favoritos. Uma lembrança que eu não podia deixar de mencionar. Sobre ele e sua obra escrevi um post no ano passado. Para quem se interessar aí vai o link: http://leituraseobservacoes.blogspot.com/2010/10/pelo-ciclo-da-cana-de-acucar.html

2 comentários:

  1. Olá Cecilia, eis o motivo pelo qual eu adoro ler os clássicos: eles são eternos, antigos e contemporâneos, pode ser você ou seu visinho, aqui ou acolá.
    O livro A Metamorfose trata de preconceitos, este mesmo que vivemos todos os dias seja aonde estivermos, na rua, no trabalho e principalmente em casa. E em casa machuca mais e nos sentimos um animal inferior, um bicho, um inseto. E “casa”, “lar”, pode ser o local em vivemos em família ou em nossa cidade, ou em nossa pátria. E deste mal ninguém escapa, pois se você não é negra, analfabeta, nordestina, pobre, homossexual, judia, fumante, alcoólatra ... e seja o que for, se você é brasileira ... ufa, tem muito preconceito contra brasileiro.
    Beijos

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  2. Olá!

    A Metamorfose é sensacional. É uma história triste, absurda em sua verossimilhança. O Gregor é um injustiçado; enquanto inseto, é mais humano que os que mantêm a forma de gente. Acho que o livro fala, entre outras coisas, sobre como as pessoas são capazes de ser egoístas e se preocuparem apenas com seu próprio conforto.

    Já o José Lins do Rego, conheço razoavelmente bem, mas ainda não li nada dele. É tanta coisa para ler!

    Gostei do seu blog e já o coloquei na minha lista de indicações do meu pobre blog. =P

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