quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A arte de escrever cartas


Quando eu era adolescente minha família mudou da capital paulista para Indaiatuba, cidade do interior de São Paulo, perto de Campinas. Na época, foi um grande choque para mim. Adorava Sampa, tinha vários amigos na escola que estudava e participava do movimento mariano na igreja de Santo Antonio do Pari. Chorei a viagem inteira e custei a me refazer na nova cidade e casa.

Para amenizar a saudade, comecei a escrever cartas, uma correspondência intensa imposta aos vários amigos que havia deixado em São Paulo e, que durou cerca de três anos. Mês a mês escrevia e recebia cartas. Era muito bom. E de certa forma elas continham um pouco da minha história, da história dos meus amigos, da história da nossa época.

Anos se passaram e eu me “acostumei” na nova cidade, fiz novos amigos, mas nunca deixei de lembrar dos “velhos” companheiros de São Paulo. Alguns eu mantenho contato até hoje, outros perdi pela passagem do tempo. São coisas da vida.

As cartas também se foram nos diversos caminhos das mudanças, com exceção de uma ou outra que guardei comigo. É uma pena. Como é uma pena que arte de escrever cartas tenha deixado de ter importância depois que o telefone se popularizou e, mais recentemente, com a chegada da Internet. Esta, sem dúvida, facilitou a comunicação interpessoal, mas deixou a desejar na profundidade em razão das mensagens e recados rápidos e sintéticos, repletos de abreviaturas, e da linguagem própria. O pior é que muitos são descartáveis e acabam “deletados” do nosso universo cibernético.

Às vezes as mensagens contidas em uma carta também podem ser colocadas num e-mail. Mas receber carta traz uma emoção completamente diferente daquela sentida ao receber um e-mail. O prazer de se chegar em casa e ver uma cartinha lhe esperando, a letra no envelope e as palavras escritas em cada folha, trazendo um pouco da pessoa que as enviou, ainda é algo difícil de ser reproduzido eletronicamente.

No livro Perfis e como escrevê-los, de Sérgio Vilas Boas, que acabo de ler, essa questão veio à baila quando o autor entrevistou Cristóvão Tezza, um dos escritores retratados por ele em sua obra:

– Como você difere uma carta tradicional de um e-mail?
– O e-mail tem a rapidez e a superficialidade de um telefonema, enquanto as cartas trazem um conteúdo peculiar. Elas podem desvendar a identidade tanto do remetente quanto do destinatário. O remetente exprime sua visão de mundo, sua autoimagem (pelo menos o que quer ser ou gostaria de ter sido), e o grau de intimidade entre ambos determina a linguagem utilizada.
– De fato, nos e-mails a noção de tratamento parece nos escapar.
– Ele permite uma superintimidade súbita entre pessoas essencialmente diferentes.

Pensando nessa coisa de escrever cartas, tenho uma amiga, a Gil, que está na contramão dessa história. Ela simplesmente adora escrever cartas e vira e mexe manda uma cartinha para os amigos que estão longe e mesmo os que estão perto. Com uma caligrafia bonita e caprichada, aprendida em um curso que fez sobre a arte, ela envia mensagens, historinhas e notícias recheadas de recortes e delicadezas em cartas de papel. Eu mesma já recebi várias, cada uma mais bonita do que a outra.

A tecnologia é indispensável, facilita nossas vidas e aproxima as pessoas – ainda que superficialmente –, mas não podemos deixar de lado práticas antigas que nos dão prazer e que alcançam os lugares mais profundos do nosso coração. E escrever cartas é, com certeza, uma delas.

4 comentários:

  1. ai quando li o tema e vi as cartinhas já me encantei! ( como sempre, tudo o que escreve me encanta!). Cartas é a arte mais linda de comunicação,nada substitui a ternura.O prazer que me dá de recortar as figuras,enfeitar os envelopes,caprichar na caligrafia,tudo me faz bem para bem fazer a quem receber! é muito bom!

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  2. Quando eu era adolescente me correspondia com gente do Brasil todo. Algumas até acabei conhecendo pessoalmente. Muito legal, eu adorava!

    Mas, agora, só msn mesmo.

    beijinhos!

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  3. acho tão gentil manter essa troca tão bonita de palavra. o computador facilita o recebimento das mensagens, mas às vezes sinto falta de saber como é a letra da pessoa...

    e não só as cartas da Gil são bonitas, dona Cecília! adoro receber um postal seu também.
    =)

    beijos

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  4. Ah, que texto delicioso de ler...
    E eu também já fui vítima das maravilhas da Gil... E assino embaixo: a moça tem uma caligrafia maravilhosa, sem falar no carinho que deposita junto com o envelope.

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