– O objeto livro está em extinção?
– Não, e lhe digo por quê: a leitura é uma das raras experiências humanas em que dois estranhos se encontram numa situação de suposta intimidade. E é por isso que ainda descobrimos um pouco de humanidade nesse tipo de experiência. É insubstituível. Trata-se de um importante elemento para estar vivo; abrigo um para o outro, num nível profundo e aberto.
– Não, e lhe digo por quê: a leitura é uma das raras experiências humanas em que dois estranhos se encontram numa situação de suposta intimidade. E é por isso que ainda descobrimos um pouco de humanidade nesse tipo de experiência. É insubstituível. Trata-se de um importante elemento para estar vivo; abrigo um para o outro, num nível profundo e aberto.
Este diálogo foi reproduzido do livro Perfis e como escrevê-los, de Sergio Vilas Boas, jornalista, escritor e também meu professor no curso de Jornalismo Literário. Eu o citei no post de ontem, mas achei que merecia um post exclusivo hoje.
O diálogo acima aconteceu entre Sergio e Paul Auster, escritor norteamericano, autor de Triologia de Nova York, e foi para mim um belo achado. Não é que eu não goste da modernidade, mas saber que um objeto tão antigo, tão amigo, tão íntimo possa subsistir em meio à avalanche tecnológica dos dias de hoje, é algo fabuloso.
Em Perfis, Sergio procurou retratar 12 personagens, cuja semelhança está no fato de serem todos escritores, alguns mais conhecidos, outros nem tanto, mas com histórias e características capazes de suplantar os famosos.
É o caso de Sérgio Sant´Anna, escritor carioca, que tem a obra e a vida centradas nas preocupações estéticas, filosóficas e linguísticas. Autor da novela A senhorita Simpson, que serviu de base para o filme Bossa Nova, de Bruno Barreto, e do livro de contos O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro, entre outros, Sérgio Sant´Anna passava por um momento delicado quando Vilas Boas fez seu perfil. O texto está repleto de dúvidas existenciais, questionamentos sobre a vida e crises literárias que me tocaram bastante, como nesta passagem:
Só quem sofreu ou sofre a tormenta da lacuna – o papel branco ou a tela apagada diante de si, situações imponderáveis –, pode compreender por que um artista, privado de inspiração se sente tão ameaçado. É quase um ameaça de morte. Sérgio atravessou várias crises criativas na vida, mas esta agora tem sido de lascar. Reconhecemos que nosso encontro não ocorreu no melhor momento, mas ocorreu.
Outro perfil que me fascinou, pela emoção, foi o da Lya Luft, escritora gaúcha, autora do livro Perdas e Ganhos, entre outros. Seu poema O lado fatal, escrito quando da morte do psicanalista mineiro Hélio Pellegrino, com o qual viveu um romance por três anos, depois da separação do seu primeiro marido, o professor Celso Luft, é uma dessas jóias que fazem a gente pensar como alguém consegue exprimir, em tão poucas linhas e de maneira tão bela, as vicissitudes e as armadilhas da vida. Eis um trecho:
Nesta minha peculiar viuvez
sem atestado nem documentos,
apenas com duas alianças de pesada prata
e no peito um coração de chumbo,
instalo ao meu redor objetos que foram dele:
a escova de dentes junto da minha na pia,
o creme de barbear entre os meus perfumes,
e com minhas roupas nos cabides
a camisa dele de que eu mais gostava.
Na gaveta, vidros com os remédios
que o preservaram para o nosso breve tempo.
(Finjo a minha vida como ele finge a sua morte)
Só mesmo um escritor que se deixa envolver e imergir na história do outro é capaz de traduzir, em palavras, as belezas e as mazelas do ser humano.
Eu adoro Sergio Vilas Boas!! Fiquei morrendo de vontade de ler esse livro, que eu ainda não conhecia...
ResponderExcluirE perfil é um assunto que eu adoro...
Boa dica, Ciça!
Beijocas!