terça-feira, 30 de março de 2010

História de lar

Eu não tenho certeza quando foi, mas acredito que há quase um ano voltei a minha atenção para livros infantis e percebi, com apreensão, que a maioria deles eu não havia lido, sem falar dos novos, publicados rotineiramente. Mas nada que não pudesse ser corrigido, assim, venho intercalando minhas leituras habituais com essas obras infanto-juvenis, extraindo delas imenso prazer.

A mais recente leitura, voltada para o universo infantil, mas que também encontra espaço no mundo adulto, foi o clássico O Vento nos Salgueiros, do escritor inglês Kenneth Grahame. Escrito inicialmente em forma de cartas para o filho, o livro de Grahame ganhou uma versão no teatro com a peça Toad of Toad Hall, adaptada pelo roteirista A.A. Milne.

Não conhecia o livro e só vim a tomar conhecimento dele em 2008, quando li Os Livros e os Dias, obra de Alberto Manguel, escritor argentino naturalizado canadense. Misturando memória com crítica literária, Manguel, narra as 12 releituras feitas no período de um ano, dedicando a cada uma um mês. Mais do que resenhas, o escritor entremeia fatos do cotidiano com as passagens dos livros lidos. E, entre as obras comentadas por ele, O Vento nos Salgueiros me chamou bastante a atenção por ter relação com lar, casa, amizade, família. Lembro que, na época, cheguei a anotá-la para ler oportunamente.

O tempo passou, minha lista de livros a ler só fez crescer, e aquela obra ficou perdida no meio de tantos outros títulos. Este ano, porém, ao ler Uma Mente Inquieta, de Kay R. Jaminson, já comentado nesse blog, vi mais uma referência a O Vento nos Salgueiros. Era um dos livros infantis que Kay, já no auge da sua doença maníaco depressiva, voltava com maior frequência e no qual se sentia dominada. A leitura, diz ela, por vezes era pontuada por choros e mais choros, sobretudo no trecho em que a Toupeira, um dos personagens, lembrava e descrevia sua casa:

“Recentemente, apanhei meu exemplar de The Wind in the Willows, que ficou na estante sem ser tocado desde que recuperei minha capacidade de ler, e tentei detectar o que foi que provocou uma reação tão dilacerante. Depois de uma breve busca encontrei a passagem que estava procurando. A Toupeira, que há muito tempo estava afastada da sua casa subterrânea, explorando o mundo da luz e da aventura com seu amigo Ratinho, está passeando numa noite de inverno e de repente, com a lembrança com força total, sente o cheiro da sua velha casa. Desesperada para revisitá-la, ela luta para convencer o Rato a acompanhá-la” – escreve Kay.

– Por favor, Ratinho! – implorou a pobre Toupeira, com o coração angustiado. – Você não está entendendo! É a minha casa, minha velha casa! Acabo de sentir seu cheiro, e ela fica por aqui, bem pertinho. Eu preciso ir lá, preciso, preciso! Ai, Ratinho, volte! Por favor, volte aqui!

Kay diz que nesse ponto da leitura, lembrou “com exatidão e com uma força visceral do que eu havia sentido ao ler o trecho pouco tempo depois de ter começado a tomar lítio: eu sentia falta de casa, da minha mente, minha vida de livros e do ambiente amigo, meu mundo, no qual a maioria das coisas tinha seu lugar e no qual nada de terrível conseguia penetrar para causar destruição”.

Foi o bastante para mim. Eu não podia mais adiar a leitura de O Vento nos Salgueiros, era chegada a hora. E foi com grande satisfação que mergulhei na leitura, me encantando e me divertindo com a trama toda. A história foca quatro personagens: Toupeira, Rato, Sapo e Texugo, animais aos quais são atribuídas características humanas. A trama é permeada por misticismo, aventura, moral e camaradagem.

Dos personagens gostei mais do Toupeira, pela coragem em deixar a casa, sair para a aventura, querer conhecer outros lugares e pessoas, ser amável e valente. O Rato também merece um à parte, pela docilidade, companheirismo e disposição para a aventura. O Texugo é um sábio, já o Sapo é o personagem mais controverso: aventureiro, inconsequente, presunçoso, mas de bom coração.

A passagem que Kay Jamison descreve no seu livro, é, de fato, a mais marcante do livro. Deixo aqui mais um trecho, aquele em o Toupeira reencontra seu lar, para encerrar assim esta reflexão:

Mas antes de fechar os olhos deixou-os passear pelo seu velho quarto, amolecer na chama da lareira que brincava com coisas que haviam sido parte inconsciente dele, e que agora o recebiam de volta sorridentes, sem rancor. Estava exatamente no estado de espírito a que o habilidoso Rato trabalhara para conduzi-lo. Via claramente quão despojada e simples, quão acanhada, mesmo, era a sua casa; mas via claramente, também, o quanto significava para ele, e o valor especial que tinha um porto como aquele na vida de alguém. Não queria de maneira nenhuma abandonar sua nova vida e seus espaços incríveis, virar as costas ao sol, ao ar puro e a tudo o que ofereciam e engatinhar de volta para casa e ficar quieto; o mundo lá de cima era forte demais, ainda o atraía, mesmo estando ali embaixo, e sabia que teria de retornar ao palco principal. Mas também era bom pensar que tinha para onde voltar, este lugar que era todo seu, estas coisas que estavam tão alegres de vê-lo novamente e com as quais podia sempre contar para as mesmas sinceras boas-vindas.

2 comentários:

  1. Que lindo, Cecilia
    Não conhecia esse livro e achei a história bem interessante.

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  2. Quue gracinha!!!! :)

    Flor, eu tinha sumido geral da blogosfera....mil coisas aconteceram, mas eu to de volta, viu?

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