quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A alegria em meio ao caos

No alto dos seus 74 anos, Edinar Corradini é uma recreadora em plena atividade. Vestida como a boneca Emília, personagem das histórias de Monteiro Lobato, ela leva um pouco de alegria às crianças que se encontram no principal abrigo do bairro Meudon, em Teresópolis – um galpão improvisado onde dormem 330 pessoas, desabrigadas pelas chuvas.

No repertório, a história de João Gerá, ali interpretado por Jonathan Marques, de 35 anos, ator e produtor de eventos. O personagem gostava de matar passarinhos, mas um dia caiu numa terrível cilada preparada pelo rei dos pássaros. O final do episódio é surpresa, reservada para os pequenos ouvintes.

Edinar teve a ideia da encenação para aliviar um pouco a tristeza dos desabrigados e a sua própria ao ver tanta tragédia. Uma atitude louvável, que me faz pensar naquela frase da canção “Comida”, dos Titãs, que diz: “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

É certo que os centenas de desabrigados precisam – e muito – de comida, água, abrigo para sobreviverem, mas é certo também que é preciso um pouco de poesia para alegrar seus corações, sobretudo os das crianças, certamente traumatizadas com tanto caos.

Soube dessa história no noticiário de hoje, na internet ( http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/01/20/voluntarios-se-fantasiam-e-levam-alegria-para-criancas-desabrigadas-em-teresopolis-rj.jhtm ), e rapidamente lembrei-me do Doutores da AlegriaO Lado Invisível da Vida, livro narrado por Wellington Nogueira, fundador do Doutores da Alegria, que li em 2007, recomendado pela minha então editora para que eu absorvesse o estilo da linguagem e escrevesse com mais emoção.

Logo nas primeiras páginas já deu para sentir que a carga emotiva seria imensa, tanto no estilo quanto nas histórias. O livro relata a história do Doutores da Alegria e de como Wellington se viu envolvido nesse trabalho, trazendo, ainda, algumas histórias dos pacientes que receberam a visita dos palhaços nos hospitais, Simplesmente emocionante, como esta passagem:

Nunca me esqueço de uma cena com um adolescente negro, se tratando de câncer. Fiz meu truque que todo o mundo adorava. Uma coisa para quebrar o gelo, mas voou como um balão de chumbo. Tentei outra coisa e ele falou: “Sabe qual é o teu problema”? Você não é nem engraçado”. Falei: "Vou chorar.” E comecei a chorar, mas como palhaço, comecei a falar (em tom de choro): “Não dou certo para nada, essa era minha última tentativa de fazer um trabalho.” E ele começou a rir. Quanto mais eu me rebaixava, mais se divertia. Chegou um ponto que disse: “Chega, cara, senão você vai se matar aqui na minha frente. Faz a sua coisa, vou achar engraçado.” Aí fiquei todo alegre e fiz um truque bem idiota. Ele falou: “Tá ótimo.” Falei: “Que bom que você gostou, posso voltar amanhã?” Ele falou: “Tá bom, vai, volta”.
Minha treinadora perguntou: “O que você aprendeu? Como você acha que é para um adolescente estar no hospital, com seus hormônios a toda, passando por tratamento de câncer e tendo a adolescência roubada, enquanto os colegas estão vivendo a vida?”
Quando chega uma pessoa que fala “a criança não entendeu; também, coitada, na situação que está”, esse cara não está pensando na criança, está pensando nele mesmo.

A trajetória de Wellington como palhaço começou em 1988, quando estava em Nova York estudando, Nesse ano, uma amiga o convidou para o teste de trabalho de palhaços num hospital, organizado pelo Big Apple Circus. E ficou fascinado com a interação entre esses e as crianças. Poucos meses depois começou a trabalhar como palhaço nos hospitais.

No final de 1990 o pai de Wellington sofreu um derrame e foi internado no Incor. Já no Brasil, Wellington usou tudo o que sabia e aprendera na reabilitação do pai, que se recuperou, vivendo ainda nove meses. A partir daí surgiu a ideia do Doutores da Alegria e em 1991 fez sua estreia no Hospital Nossa Senhora de Lourdes, no Jabaquara, em São Paulo.

São pessoas como Wellington, do Doutores da Alegria, Edinar Corradini, a “boneca Emília”, e Jonathan Marques, ator, que fazem o mundo ficar mais humano e, com certeza, muito mais bonito e leve.

3 comentários:

  1. Adorei esse post Cecilia!!!Me faz tanto bem encontrar pessoas neste mundo que ainda priorizam a sensibilidade. Adorei mesmo!!!
    Abraço

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  2. Oi, Cecilia
    Admiro muito o trabalho dos Doutores da Alegria; ja assisti duas paletras do Wellington quando trabalhava em um hospital e adorei..bjs

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  3. Eu amo a tua escrita, Ciça! E o assunto desse post é algo que me fascina...
    Muito bom! Mesmo!
    Grande beijo, minha amiga!

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